Sunday, May 17, 2009

Ne Change Rien (Quinzena)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Para a Variety, sempre preocupada com o produto, Ne Change Rien (Portugal/França, 2009), o filme de Pedro Costa na Quinzena dos Realizadores, seria um bônus bacaninha para sair com o CD da banda de Rodolphe Burger que é registrada no filme. Essa Variety... leio sempre.

O filme, na verdade, é sobre a atriz, também cantora, Jeanne Balibar (ex-esposa de Mathieu Almaric, aliás), e é generoso com a música e talvez apaixonado por ela. É composto por uma série de planos fixos inicialmente distantes e enquadrados com porcentagem maior de sombra e menor de luz. Mini-DV fica muito bem monocromático, é o 16mm de hoje. Gradualmente, as imagens tornam-se mais próximas, íntimas, como se a timidez do olhar fosse se abrindo.

Há algo no preto e branco, e no interesse geral pelos rostos e pela música que me fez lembrar do Jarmursch dos anos 80, como se Ne Change Rien fosse o primeiro corte de um registro que nunca havia sido mostrado do diretor, na sua fase Stranger Than Paradise (1984, aliás, Câmera de Ouro em Cannes).

Há uma metragem amiga de uma hora e 40 e tantos minutos. O efeito geral é o de um prazer particular, com especial ênfase no tempo de Costa que, em mim, e numa seqüência em especial, sugeriu uma ponte com uma outra cena importante de Politist, Adjectiv, de Corneliu Porumboiu.

Nos dois filmes, dois personagens se enfrentam, e o tempo aumenta a voltagem do conflito também no espectador. No filme de Costa, ela ensaia La Perichole, de Offenbach, sob a voz (off câmera) do seu diretor, sua própria voz interrompida a cada três segundos com novas direções e sugestões. A beleza do que ela tenta cantar nunca realmente se confirma pelas interrupções da criatura dominadora, que não deixa o canto fluir. É uma abertura de uns bons dez minutos para o processo exaustivo do ensaio, da criação artística.

Eu não sei bem se os artistas em si são iluminados, ou se a banda de Rodolphe Burger de fato merecia o filme. De qualquer forma, o relato processual é tão raramente registrado e exposto como nesse filme.

Filme visto no Noga, 14 de maio 2009, Cannes

No comments: