Friday, May 22, 2009
Tales of the Golden Age (Un Certain Regard)
Mungiu e amigos. "A Palma de Ouro me deu uma medalha do governo, até agora"
Como matar esse porco dentro do apartamento?
ATENÇÃO: Não por causa de mim e dos meus escritos, mas pelo assunto e criaturas relatadas, ESSE TEXTO É ENGRAÇADO.
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Para quem acompanha a minha cobertura, já deve desconfiar que há alguma questão de afinidade entre o crítico e o novo cinema romeno, e deve haver mesmo. Eu gosto do estilo cru, do talento que têm para isolar pequenas tensões, do humor nesses filmes, de um senso de literatura sem frescura. E eu não sou o único.
É uma (nova) cinematografia que não pára de me impressionar desde que o próprio festival descobriu esse ninho de filmes feitos por um grupo de jovens realizadores com não mais do que 45 anos de idade e que têm conquistado uma série de prêmios em todo o mundo, inclusive a Palma de Ouro.
Esse ano, dois novos produtos dessa geração, o já abordado aqui Polícia, Adjetivo, de Corneliu Porumboiu, tido por muitos como o melhor filme exibido na mostra Un Certain Regard, e o coletivo Amintiri Din Epoca de Aur (Histórias da Época de Ouro), outra jóia. Trata-se de uma coleção de lendas urbanas da época do comunismo, transformadas em belos cine-contos.
São cinco filmes que formam um programa de duas horas, levantando a reputação esvaziada desse tipo de projeto, sempre marcado pelo mesmo problema: a variação de qualidade entre as partes (Paris, Eu Te Amo, Cada um Com Seu Cinema os exemplos mais recentes). Nesse Histórias da Época de Ouro, há um nível (alto) constante que, mais uma vez, revela a capacidade que os novos romenos tem de filmar pequenas histórias com eloqüência e um tipo bem particular de humor.
Todas as histórias foram roteirizadas por Cristian Mungiu, que ganhou a Palma de Ouro há dois anos por Quatro Meses Três Semanas Dois Dias, o drama atordoante sobre um aborto no período final da ditadura de Ceausescu. Ele escreveu as histórias, dirigiu pelo menos duas e chamou um grupo de realizadores amigos da mesma geração, e que ainda não obtiveram o reconhecimento fora da Romênia, nem no longa metragem, para dirigir algumas das outras histórias.
Os filmes dentro do conjunto sugerem contos que revelam com enorme propriedade a vida muitas vezes absurda sob o comunismo. “O projeto já existia durante a produção de 4 Meses... e, na época, eu cheguei a anunciar que aquela seria a primeira história de uma série. De fato, foi, mas desta vez o tom é mais leve”, nos falou Mungiu na quinta-feira, ao receber a reportagem do JC num hotel, em Cannes.
Amintiri Din Epoca de Aur tem uma peculiaridade imposta. Os realizadores Hanno Hofer, Razyan Marculescu, Constantin Popescu, Ioana Uricaru e o próprio Mungiu decidiram abraçar a idéia de ser este um projeto coletivo sem informar exatamente quem é responsável pelo quê, sugerindo a noção de autoria conjunta. Recusaram-se educadamente a responder até mesmo a uma pergunta direta feita por nós sobre o autor de um dos filmes, “pois, de fato, todos tivemos parte em todos os aspectos desses filmes que fazem um filme”.
Outro aspecto curioso, nas sessões do filme em Cannes, cada platéia viu versões diferentes, pois há mais dois episódios que são inseridos “como se o filme fosse uma obra mutante”, falou Ioana Uricaru. Até agora continuamos sem saber qual é o seu filme. “Nossa idéia é passar para as platéias um pouco do que tínhamos nos anos 80 na Romênia, nos últimos anos de Ceausescu, quando nunca sabíamos o que poderíamos encontrar num supermercado”, diz Mungiu com o humor peculiar.
PORCO – Esse humor surreal, gerado por seres humanos presos num sistema totalmente decrépito (o filme se passa nos anos 80), é o fio condutor das histórias. Na primeira, uma pequena vila prepara-se para a possível vinda de representantes do partido, mesmo que a visita não aconteça. As exigências absurdas do sub-representante do partido, ali para preparar a visita que talvez não ocorra, termina em bebida e num final não apenas lindo, mas engraçadíssimo.
Na segunda história, o fotógrafo oficial do partido vive retocando fotos do ditador Ceausescu para fazê-lo parecer mais elegante ou/e mais alto, um problema durante a visita do então presidente francês Valerie Giscard d'Estaing, 30 centímetros maior que o premiê romeno e ainda fotografado de chapéu.
Um porco é a pobre estrela do terceiro episódio, dado de presente a uma família faminta que irá precisar achar uma maneira de abatê-lo-lo dentro do apartamento apertado sem que ninguém descubra, pois teriam que dividir a carne. A solução é catastrófica.
Duas das histórias, que a crítica em Cannes suspeita terem sido dirigidas por Mungiu, ganham tom menos gracioso, tomando o rumo de contos simplesmente excelentes. No primeiro, um caminhoneiro, perturbado por uma energia sexual ociosa, termina fazendo uma escolha errada ao conhecer uma mulher interessada na sua carga: ovos de galinha. O caminhoneiro, o excelente ator Vlad Ivanov, o médico de 4 Meses..., mostra o quanto é bom nessa história muito bem contada.
A última lenda urbana da sessão onde vimos o filme também parece ter sido feita por Mungiu, sobre um rapaz que dá um golpe só possível num antigo país comunista. Ele inventa que é do “ministério da química” e vai nos blocos de apartamento, de porta em porta, pedindo para que os moradores, usando garrafas de vidro, peguem mostras de água e ar (!?) nos aposentos. Mais tarde, vende as garrafas, num sistema primitivo de pequeno capitalismo.
E como Mungiu avalia o efeito da Palma de Ouro que ganhou, em termos de Romênia? “Vou descobrir quando começar a pedir dinheiro para meu próximo filme. Mas, quer saber, do ponto de vista prático? Ganhei uma medalha do governo e até achei que teria isenção no imposto de renda, ou alguma vantagem do tipo. Depois descobri que essa medalha me dá a honra de ter tiros de canhão no meu enterro”.
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3 comments:
linda cobertura, viu, kmf? tou seguindo diariamente.
beijos!
:) !
Também estou me divertindo.
Fico muito feliz em ler um artigo sobre o novo cinema romeno. Quero emplacar um projeto do mestrado sobre o tema mas ninguém parece dar muita bola, aqui ou lá fora, em termos acadêmicos. E assim, reportagens ajudam muito. Muito bom ver um brasileiro dando a devida atenção que o movimento (?) merece. E parabéns ao Poromboiu, pelo prêmio do juri no "un certain regard"!
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