Cineasta
Filme
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
O romeno Corneliu Porumboiu ganhou a Câmera de Ouro em 2006 pelo seu primeiro filme, Ao Leste de Bucareste, e está em Cannes esse ano com o seu segundo longa, Polícia, Adjetivo (Politist, Adjective), até agora o melhor filme que eu vi até agora em Cannes 2009. Porumboiu volta com ainda mais força a dois elementos que não apenas definiram o seu primeiro filme, mas que também parecem moldar a noção desse novo cinema romeno que Cannes descobriu desde 2005 com obras como A Morte do Sr. Lazarescu, de Cristi Puiu, e 4 Meses 3 Semanas Dois Dias, de Cristian Mungiu, ganhador da Palma de Ouro há dois anos. Os elementos são a palavra e o tempo de narração.
Mungiu fez um ácido anti-filme policial, neutralizando tudo o que uma platéia condicionada pelo gênero thriller hollywoodiano poderia esperar de uma história que envolve um policial e uma investigação. Porumboiu, com o senso de humor que lhe é peculiar, investe na espera, ingrediente que é normalmente cortado desse tipo de filme por ser considerada monótona e sem sentido. Porumboiu, obviamente, é hábil o suficiente para transformar o que seria monotonia em idéias cortantes e a idéia da falta de sentido numa aliada sua sempre temperada pelo sarcasmo.
Para completar, a investigação, baseada na suspeita de que um adolescente talvez fume maconha atrás da escola onde estuda, e de que ele talvez venda um pouco do que consome, temos o verdadeiro tema do filme, e sua principal beleza: como trazer um pouco de delicadeza e humanidade a um sistema mecânico que interpreta leis ao mais rígido pé da letra.
O jovem policial (Dragus Bucur) não acredita no que está fazendo, seus relatórios escritos com o interesse de um burocrata descrente geralmente informam que “nada aconteceu”. Argumenta que a lei deverá mudar em alguns anos, pois “ninguém é preso por fumar um baseado em nenhum país da Europa”. Quer poupar o garoto de sete anos na prisão, algo que irá acabar com a vida dele. Seu chefe argumenta com um leve sorriso que “que nada! Em três anos, no máximo, ele sai”.
O confronto entre os dois é levado às últimas conseqüências em matéria de cinema radical, e a reação da platéia é poderosa na captação de uma situação que Kafka poderia ter escrito, e que provavelmente tem uma carga muito forte da velha Romênia de um regime absurdo (Policia, Adjetivo se passe nos dias de hoje). Ajuda bastante que o chefe é interpretado pelo cinicamente sinistro Vlad Ivanov, o médico “Bebe” em 4 Meses 3 Semanas 2 Dias.
Armado com um dicionário e um quadro negro, esse chefe, montado na máquina burra da burocracia, irá promover uma batalha verbal absurda com o seu subalterno, que tenta de tudo para argumentar o óbvio e ainda manter a linha. É um exercício filosófico fascinante e espetacularmente frustrante, narrado em tempo real, tortura calculada para nosso personagem e também para o espectador alérgico às pequenas autoridades que, normalmente, são o que sempre são, estúpidas.
Ontem, Porumboiu me recebeu no stand do cinema romeno, já ciente de que seu filme vem impressionando muitos, colecionando críticas excelentes que geralmente indagam o porquê de Policia, Adjetivo não estar na competição. “Acho que o cinema é a linguagem do tempo, é a única arte que nos faz poder sentir o tempo. Eu procuro mostrar o tempo do estar, e, para mim, isso é muito mais importante do que dez páginas escritas de diálogo ou caracterização”, me disse. Porumboiu também acredita que o tipo de filme que faz é adequado para esse tratamento, uma vez que suas histórias se passam em um ou três dias, e não ao longo de muitos anos.
Sobre fazer um anti-filme policial, “desde o início que pensei num típico filme de gênero, isso está, inclusive, no título, e refleti sobre o tempo da espera para um policial, a espera onde nada acontece, uma ironia, pois num filme do tipo o que importa é a ação. No meu filme, é exatamente o oposto”. (foto KMF)
Filme visto na Debussy, Cannes, Maio 2009
Sunday, May 17, 2009
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