Friday, May 22, 2009

À Deriva (Un Certain Regard)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Depois dos seus dois primeiros filmes, que eu não gosto, Heitor Dhália revela um outro lado dos seus interesses em cinema com À Deriva, um drama de orientação jovem para o mercado, do tipo que os americanos geralmente descrevem como “coming of age story” (ritual de passagem). Se em Nina e O Cheiro do Ralo o realizador mostrava-se mais próximo da direção de arte e dos figurinos, À Deriva já ensaia enfocar o elemento humano em primeiro lugar numa história industrialmente competente na realização, sem esquecer ainda de embalar tudo num pacote que platéias poderão chamar de ‘bonito’.

Filmado num cartão postal praieiro do Rio de Janeiro em tons dourados por Ricardo Della Rosa, À Deriva nos apresenta a história de Filipa (a estreante Laura Neiva, que carrega o filme em praticamente todas as cenas). Filipa é a filha mais velha de um clã de cinco, com uma irmã mais nova e o irmão caçula.

Seus pais, o francês Mathias (Vincent Cassel, me pareceu desconfortável) e a mãe Clarice (Débora Bloch, ótima) estão em crise, e ela é alcoólatra. O roteiro, escrito pelo próprio Dhália, com a colaboração da também cineasta Vera Egito (em Cannes com dois curtas metragens na Semana da Crítica, Espalhadas Pelo Ar e Elo), toca em todos os pontos que filmes de rituais de passagem geralmente tocam.

Além dos já citados conflitos com os pais, constam também da lista os hormônios dos 14 anos, a perda da virgindade, acontecimentos que pertencem ao mundo adulto e que chegam para que a criança passe por um processo rápido de amadurecimento. Isso, claro, irá fortalecê-la para que, antes do fim da sessão, ela ganhe seu diploma de mulher feita.

Independente do quão previsíveis os desdobramentos sejam, um aspecto nos chamou a atenção, a maneira atordoada que Filipa tenta entender a ciranda de compromissos e traições no amor a partir das suas observações verdes que ela mantém sobre o pai e a mãe. Descobre no processo que ele tem uma amante, Angela (Camilla Belle), visão que ela logo irá entender se tratar de apenas uma parte menos importante do todo.

Isso ganha reflexo direto nas relações de amizade e paquera com a turminha da praia, meninos e meninas da classe média alta, veraneando. As sensações são acrescidas do poder purificador da água e do sol com fotografia saturada estilo Ektachrome (o filme parece se passar nos anos 80) e ainda alimentadas por um crime passional ocorrido na piscina da casa vizinha, onde a influência viral de Lucrecia Martel nos jovens cineastas de hoje mais mostra a sua cara.

No final das contas, é um produto feito com esmero industrial, passando sensação de decalque de peças diferentes do cinema contemporâneo no jeito de filmar sem que fique claro um ponto de vista autoral. A trilha sonora renitente de Antônio Pinto exemplifica isso, não só potencializando ‘feminilidade’ e ‘delicadeza’ num filme já tão cor de rosa, mas seguindo a rota conhecida dos pianinhos de Yann Tiersen.

Dhália tem um projeto de fazer cinema de mercado com um senso de qualidade internacional, e talvez nesse sentido seu filme seja bem sucedido. Se sua seleção na Un Certain Regard destoa em muito do que temos visto há uma semana, vale celebrar a sorte de ter o espaço conseguido para esta ultra-divulgação. À Deriva tem estréia brasileira prevista para 31 de Julho.

Filme visto na Debussy, Cannes, maio 2009

1 comment:

Eduardo said...

O argumento me parece muito com o de Chuva de Verão, filme de 2001 da neozelandeza Christine Jeffs.
Os dpos filmes se passam na praia, sob o ponto de vista de uma menina de 14 anos, com a mãe alcoólatra, perda de virgindade, traição dos pais etc.
Mesmo assim, to curioso.