Saturday, June 14, 2008

Cassandra's Dream - Mais Um, Portanto.

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Um pouco como um professor que chega para dar aula num dia não muito inspirado, ou um ator que sobe no palco desconcentrado, Woody Allen parece ter se colocado na obrigação de fazer um filme por ano. E como geralmente acontece com os que têm o dever do ofício – sejam professores ou atores, ou críticos de cinema... - alguns percebem a falta de inspiração naquele dia específico, enquanto boa parte da turma (ou da platéia, ou leitores...) segue tranqüila achando bom. Isso lembra algumas das reações aos últimos filmes de Allen, ora vistos como consistentes e interessantes, ora tidos como cansados, obras de "um ex-cineasta ainda ativo". O Sonho de Cassandra (Cassandra's Dream, 2007), sobre dois irmãos que querem subir na vida através de um crime, é o filme número 38 do diretor.

Por um lado, e sempre há essa sensação, não deixa de ser um privilégio ter um autor como Allen, aos 72 anos, filmando anualmente. Por outro, é possível indagar, vez ou outra, pra quê? A resposta mais humana e racional (pessoal) é a de que Allen faz cinema para viver, e ele não precisa acertar sempre. Quem precisa? Faz os filmes que quer, uns bons, outros não tão bons, seu 39o – Vicky Cristina Barcelona - acaba de ter estréia mundial em Cannes, e eu o achei um dos seus mais agradáveis em muito tempo.

Comparando-o com O Sonho de Cassandra, ele reforça as curiosas mudanças de marcha que vem fazendo, não apenas alternando drama e comédia, mas também sistemas de produção que o levaram à Europa em busca de mais autonomia. Se Vicky Cristina Barcelona é ensolarado e filmado na Espanha, O Sonho de Cassandra é sombrio e filmado em Londres, o terceiro filme da que deverá ficar conhecida como sua trilogia inglesa formada pelo duro Match Point (2005) e pelo lelé Scoop (2006).

Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrel) são irmãos da classe trabalhadora tipicamente inglesa. Ian ajuda no restaurante da família, Terry é viciado em jogo. Ganham pequena fortuna nas corridas, dinheiro logo perdido no jogo. Com os planos de Ian investir no setor hoteleiro californiano e as dívidas de Terry ameaçando seu bem estar físico, partem para pedir ajuda ao tio Howard (Tom Wilkinson, no tipo de personagem passivo-agressivo que Allen constrói bem, geralmente para mulheres), aquele tio rico que deu certo, sem que ninguém realmente queira saber como, ou em que termos. E eis que Tio Howard pode mesmo ajudar os sobrinhos, mas eles terão que "dar um jeito" num sócio que ameaça revelar segredos sujos numa investigação.

McGregor e Farrel, sempre fumando muito, falam rapidinho e gesticulam genericamente, tique que aflige boa parte dos atores que trabalham com Allen, claros sinais de respeito e afetuosa intimidação artística.

Allen monta, portanto, sua terceira tragédia, revisitando Crimes e Pecados (1988), onde um médico livrava-se da amante, e Match Point, onde um professor de tênis matava a namorada americana para subir no curioso sistema de classes inglês. O Sonho de Cassandra lembra mais Match Point, tanto pelo cenário inglês, como pelo desespero por uma mobilidade social rápida, sem necessariamente avançar em nada de especial no que já fora abordado. Também não ajuda muito o filme ter semelhanças com o último filme de Sidney Lumet, uma marretada que, antes de qualquer coisa, é mesmo uma martetada, e que chama-se Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto (Before the Devil Knows You Are Dead). A comparação tem surgido com freqüência entre os dois filmes que tem circulado simultaneamente, inclusive aqui no Brasil.

Quando o filme traz claros sinais de preguiça por parte de Allen como diretor, pensamos se há sentido em continuar batendo ponto anualmente com obras que talvez não honrem o esforço. Espanto especial vai para a fotografia de Vilmos Szigmond, um dos grandes nomes da câmera no cinema (Contatos Imediatos, O Franco Atirador), aqui num trabalho relapso, ou relapso por esperar eu algo de mais de Szigmond.

Finda a sessão, no entanto, fica a sensação respeitável de que é mais uma peça válida na obra do autor, mais um tijolo. E, porquê não?


1 comment:

Causlos said...

Ele é neurótico, maníaco e obsessivo, não consegue ficar um ano em casa sem filmar.

Se ele filmasse menos nos últimos anos será que faria filmes melhores? Ou menos preguiçosos? Com certeza seria menos repetitivo.

Abraço,
Causlos Lersch.