Sunday, August 17, 2008

Gramados Prêmios


Mesa pós-premiação em restaurante de Gramado.

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A 36a edição do Festival de Gramado foi encerrada na noite de sábado em cerimônia profissional transmitida ao vivo pela TV. Nome Próprio, filme de Murilo Salles, foi o vencedor do prêmio Kikito de Melhor Filme brasileiro de Longa Metragem. O júri, formado pelos cineastas Roberto Gervitz, Ana Carolina, Lina Chamie e Carlos Gerbase, e o crítico Marcelo Janot, também honrou o prazeroso novo filme do autor carioca Domingos Oliveira, Juventude, com os prêmios de Melhor Diretor e Roteiro. Num virtual terceiro lugar, A Festa da Menina Morta, primeiro esforço do ator Matheus Nachtergaele, teve estréia nacional em Gramado depois de uma première internacional no Festival de Cannes, e ficou com o Prêmio Especial do Júri, Prêmio da Crítica e Júri Popular.

Nome Próprio, drama intimista sobre os diferentes estados emocionais de uma jovem mulher, surpreendeu como Melhor Filme não por questões de qualidade, mas pelo fato de ter estreado no Festival do Rio, em setembro do ano passado, e de já estar nos cinemas em diversas capitais do país. Na moeda corrente dos festivais, onde preza-se o ineditismo, o filme, que também passou na noite de abertura, superou todos os obstáculos, confirmando ainda o prêmio de Melhor Atriz para Leandra Leal.

“Mais do que ganhar Melhor Filme, inscrevi o filme em Gramado para que Leandra ganhasse Melhor Atriz. Missão mais do que cumprida”, me falou Salles, depois da cerimônia. Também na saída do Palácio dos Festivais, o cineasta gaúcho Gustavo Spolidoro, cujo primeiro longa metragem, Ainda Orangotangos passou no mesmo Festival do Rio que lançou Nome Próprio, disse não ter inscrito sua obra por achar que Gramado só queria inéditos, revelando a imprevisibilidade confusa de festivais.

Dos seis filmes brasileiros em competição, os Kikitos foram divididos entre Nome Próprio, Juventude (levou também o Prêmio de Qualidade Artística para a trinca de atores Paulo José, Domingos Oliveira e Aderbal Freire Filho) e A Festa da Menina Morta (ainda, Fotografia, de Lula Carvalho, e Melhor Ator para Daniel de Oliveira). Vale observar o prêmio de Lula Carvalho, jovem e expressivo profissional da câmera (fez Tropa de Elite). Numa seleção dominada pela imagem digital, o júri pinçou o único filme que usou película 35mm do lote.

Para o filme de Nachtergaele, que chegou como "o filme" de Gramado, com o carimbo de Cannes no cartaz e no CV, dono do espaço mais nobre da competição (sexta à noite), fruto de um ator admirado e respeitado que alça novos vôos, e com a aura impressa de "radical", o resultado foi visto como uma decepção, por alguns, seja pela não premiação, ou mesmo pelo filme em si.

Eu pessoalmente respeito o trabaho de todos os envolvidos, mas não consigo entrar no filme, talvez pela sensação de estarmos participando de uma intensa oficina de atores no meio da floresta Amazônica, a experiência tão intensa que qualquer dramaticidade é esvaziada para dar espaço a um senso de teatro que parece procurar no teor cultural (religiosidade, geografia, folclore) uma validação, ou mesmo um empurrão.

Os muito fracos Netto e o Domador de Cavalos, de Tabajara Ruas, e Vingança, de Paulo Poms ficaram sem nada, como também a reveladora viagem áudiovisual pela América do Sul Pachamama, de Eryk Rocha, único documentário desta seleção, claramente orfão numa seção dominada pela ficção.

Salles espera que os prêmios de Gramado para Nome Próprio dêem gás na bem sucedida carreira do filme nas salas. Lançado apenas em formato digital, Nome Próprio já fez 25 mil espectadores nos cinemas, pouca verba de divulgação e uso pesado de internet.

LATINOS – Nos filmes latinos, os jurados Jorge Duran (cineasta), Diana Kuelar (jornalista), Germano Coelho Filho (produtor), Matias Mosterín (produtor) e Ricardo Casas (produtor) preferiram o tranqüilo mexicano Cochochi (acusado de ser iraniano, por alguns), rito de passagem para duas crianças na província de Chihuahua, que ficou com Melhor Filme e Prêmio de Qualidade Artística.

O agoniado videoclipe da barbárie latina com tintas de thriller amarelo ocre Perro Come Perro, de Carlos Moreno (que a crítica em Gramado votou Melhor Filme) ganhou Melhor Diretor e Atores (Marlon Moreno e Oscar Borda). O bem intencionado, cativante, e algo de verde argentino Por Sus Próprios Ojos, de Liliana Paolinelli, ganhou Prêmio Especial do Júri, Roteiro, Atriz (Ana Carabajal).

CURTAS – Depois de passar na seleção da Semana da Crítica, em Cannes, o belo curta Areia, de Caetano Gotardo, venceu Gramado (Melhor Filme, Fotografia para Heloisa Passos e Atriz, Malu Calli). Gotardo, no melhor discurso da noite, homenageou Domingos e Manoel de Oliveira, dizendo querer ser um dia tão jovem quanto o cinema deles. Outro destaque foi o paranaense Booker Pittman, de Rodrigo Grota, que ganhou Gramado ano passado com Satori Uzo. O novo filme segue os passos do primeiro, mas com interessante desdobramento. Ganhou Prêmio Especial do Júri, Crítica e Canal Brasil.

O gaúcho Subsolo, de Jaime Lerner, levou Melhor Diretor, o ator Augusto Madeira, visto em Blackout, de Daniel Rezende, e Noite de Domingo, de Rodrigo Hinrichsen, Melhor Ator. O divertido doc de animação Dossiê Rebordosa, de César Cabral, fcou com roteiro.

O FESTIVAL – Nas palavras de um dos homenageados esse ano, o cine-autor Júlio Bressane, “Gramado havia sido levado à cova em anos recentes” (há relatos de que o prefeito da Cidade não gostou nada das palavras, e retirou-se), e volta aos poucos à vida via curadoria de José Carlos Avellar e Sérgio Sanz.

É verdade que a mística turística da cidade e sua aura artificial de Disneylândia com bons restaurantes, hotéis e excelentes serviços continua agregando o culto às celebridades, creio que independente dos caminhos tomados pelo festival em si. Carregamentos diários de jovens atores e atrizes globais nível Malhação que mal sabem o que significa cinema são trazidos para dar a grande pinta, gerando enorme gritaria no cada vez mais longo tapete vermelho.

Em relação ao cinema, o festival recupera-se, tanto nos curtas como nos longas, ora abrindo espaço obrigatório para a fraca produção gaúcha, ora prezando o cinema autoral. Sobre a seleção latina, vale perguntar se Gramado não teria poder de fogo para pescar títulos importantes do cenário atual, que poderiam ter no festival sua primeira e mais vistosa porta de entrada no país.

2 comments:

Leo Garcia said...

Só pra ratificar: o Ainda Orangotangos é o segundo longa do Spolidoro. O primeiro é o documentário "Gigante", sobre a conquista mundial do Inter. Se não me engano foi o segundo doc mais visto do Brasil em 2007, sendo que estava em apenas duas salas de Porto Alegre.

Outra coisa, vi o Crítico lá em Gramado e achei do caralho. Parabéns.

Com relação ao cinema gaúcho, em breve daremos a volta por cima. Assim espero.

saudações

CinemaScópio said...

Leo, ouvi falar desse doc de forma "por alto" em Gramado mesmo, mas como foi num pós jantar meio bêbado, não dei importância. Por conhecer muito o Gustavo, achei que era algum institucional que não registrava como um longa efetivamente.

Obrigado pelo retorno.