Thursday, August 21, 2008

O Procurado


Angelina, boneca.


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O Procurado (Wanted, EUA, 2008) é a estréia do cineasta russo-cazaqui Timur Bekmambetov em Hollywood. Ele chegou ao mercado americano como o responsável pelos dois maiores sucessos de público do cinema pós-soviético, Guardiões da Noite e Guardiões do Dia (Dnevnoy Dozor e Dnevnoy Dozor 2, disponíveis em DVD), filmes russos do gênero fantástico repletos de efeitos especiais que arrasaram nas bilheterias dos países da ex-URSS, deixando Hollywood comendo poeira. O que fazer com um diretor regional desses, pensou Hollywood? Aliar-se a ele para evitar mais danos.

Em O Procurado, Bekmambetov faz o serviço de chegar ao mínimo denominador comum exigido para esse tipo de filme de ação com o máximo de barulho e estupidez. Em alguns momentos, cheguei a ter lembranças de Bad Boys II, de Michael Bay, embora aquele permaneça o monumento mor à fartura e ao desperdício quando as palavras chave são "entretenimento" e "grosseria". Resta saber se a desenvoltura de Bekmambetov vem de um cinismo inteligente no sentido de dar o que Hollywood quer ou se ele tem mesmo vocação pessoal para esse tipo de coisa. As duas opções são prováveis.

O Procurado, que foi um sucesso de 120 milhões de dólares nos cinemas americanos, lançado em junho (e já uma outra vitória fenomenal na terra de Bekmambetov), é um desses filmes liquidificador que misturam pedaços de pelo menos dois títulos emblemáticos lançados em 1999: Matrix e Clube da Luta. A seqüência de abertura e inúmeras afetações que envolvem balas em câmera lenta lembram o primeiro, o perfil e a narração do personagem principal o segundo.

O herói revela a ética do filme, que parece ter sido formulada por um menino de 12 anos de idade aditivado por latas de Redbull contrabandeadas para dentro do seu quarto. Wesley Gibson (o escocês James Macavoy, de O Último Rei da Escócia) é um "perdedor" que será transformado em herói.

Perdedor num filme como esse honra o adjetivo bem americano dado a qualquer um que tem uma vida normal, emprego chato e cuja chefe é não apenas irritante e imbecil, mas ainda gorda e feia. Wesley, que está sendo traído pela namorada loira e também irritante, está tão por baixo que chega a emprestar dinheiro para o melhor amigo canalha comprar camisinhas que serão usadas na menina infiel.

Essa busca pela máxima identificação do público alvo (adolescentes 'perdedores' com vidas sexuais inexistentes) trará uma virada supostamente catártica, e essa virada de Wesley vem num supermercado, onde surge Angelina Jolie, personificação atual da sexualidade cinematográfica, irreal e, daí, inatingível.

Jolie pode ser uma mãe e ter vida normal de mulher e amiga, mas sua imagem meticulosamente filmada lembra, cada vez mais, uma boneca inflável dela mesma. Armada até os dentes e com movimentos só possíveis no cinema de ação, ela traz uma história de que Wesley é filho de um super assassino que morreu na seqüência de abertura. Começa aí um tiroteio e uma perseguição.

Mais tarde, Wesley ficará sabendo que Jolie, codinome Fox, assim como ele, faz parte de uma irmandade de assassinos com mais de mil anos de trajetória. Funcionam sob a fachada de tecelões (!...!) cuja missão no mundo é não apenas fazer colchas e suéters, mas matar gente que o destino aponta como futuros problemas para a humanidade. Wesley, sem saber, tem no sangue o talento para matar, algo esclarecido ao vermos que ele é capaz de arrancar as asas de três pobres moscas dando tiro.

Morgan Freeman é o chefe tecelão/assassino, e logo irá mostrar a Wesley que a marca registrada da irmandade é conseguir dar tiro mandando a bala numa curva, o que me lembrou os chutes de Éder na seleção de 1982, na Espanha.

A lógica adolescente pega pesado, e é marretada na cara da platéia constantemente, e isso inclui a fala final, olhando para a câmera. A auto estima do nosso herói cresce vertiginosamente ao sentir-se armado com uma pistola e ao ver que sua conta bancária conta com o surpreendente saldo de três milhões e tantos mil dólares.

Finalmente, Wesley é um homem de verdade, capaz de mandar a chefe nojenta e o amigo para aqueles cantos, e se a ação já não era clara o suficiente, Bekmambetov ainda estampa a mensagem em arrojados efeitos digitais que soletram um espetacular FUCK YOU na tela. Talvez seja essa ética, e não tanto as duas dezenas de cabeças destroçadas por balas fashion que tenham dado ao filme classificação '18' em vários países, inclusive no Brasil.

Vendo O Procurado, observa-se a identidade insana de tudo, vindo de um cineasta estrangeiro cuja origem é o cinema russo, que historicamente deu ao mundo algumas das imagens mais profundas já criadas, tanto na capacidade que têm de sugerir como intrigar. Bekmambetov, claramente fruto de uma mutação moderna do cinema globalizado, aparece como uma espécie de caricatura alienígena do cinema comercial hollywoodiano, algo que a própria indústria tem nos mostrado ao longo de sua história.

Nomes estrangeiros têm entrado na produção americana com um certo algo extra, seja a agressividade sexual e/ou brutal de um Paul Verhoeven, ou a carpintaria de um Wolfgang Petersen, ou o barroco chinês de John Woo. Recentemente, um Alexandre Aja, francês, chegou todo cruel com o tipo de violência filmada que extrapola os limites americanos do "R" (fez The Hills Have Eyes , depois de impressionar, ainda na França, com o slasher para adultos Haute Tension), mas já mostra-se devidamente adestrado.

No caso de Bekmambetov, resta observar a sua falta de vergonha ao apresentar filme tão espetacularmente débil mental, reprocessando todos os clichês do cinema comercial numa embalagem toda agitada.

Filme visto no UCI Boa Viage, Recife, agosto 2008

6 comments:

João Solimeo said...

Não vi este "O Procurado", mas a situação do diretor me levou aos tempos da adolescência e um filme que era uma versão B de "Máquina Mortífera", "Tango e Cash". Nele, um Sylvester Stallone almofadinha tinha que trabalhar com um desleixado Kurt Russel. O diretor era o russo Andrei Konchalovski que, dizem, brigou com Stallone e produtores e teve o filme tirado de suas mãos.

Fábio Henrique Carmo said...

Ainda não vi "O Procurado", mas acho que a resenha do Kléber careceu de informações sobre a origem quadrinhística do longa (mesmo que, pelo que eu ando observando, o roteiro pouco tenha a ver com o da HQ).

Anonymous said...

Kevler, não consigo entrar na comunidade no orkut. Tá fora do ar. É só comigo?

CinemaScópio said...

comigo também. Está fora há um bom tempo.

Hugo Viana said...

Boa sacada essa da relação entre os 'perdedores', Anjelina Jolie e a ética do filme. Depois olhem a crítica do Zanin. Engraçado como algum crítico conseguiu elogiar esse troço!

CinemaScópio said...

João, Konchalowsky é um caso diferente. Ele foi assimilado por Hollywood, mas de maneira bizarra. foi um dos principais nomes do cinema soviético (novo cinema), fez Amantes de Maria (um filme russo, na verdade) nos EUA e Expresso Para o Inferno, que melhor traduz o DNA de estrangeiro no mercado (o filme é incrível, e ainda funciona como filme de ação). N sei até hj pq aceitou o Tango e Cash, e deu merda. O russo do WANTED me parece já nova geração, antenado com o cinema comercial, filho da globalização e já numa Rússia voltada para o mundo. De qqr forma, curioso.