Friday, July 31, 2009
À Deriva
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Dia 28 de agosto estréia Os Normais 2 – A Noite Mais Maluca de Todas para confirmar que o atual cenário de cinema brasileiro comercial está dominado por comédias. Se Eu Fosse Você 2, O Divã e A Mulher Invisível computam dez milhões de espectadores esse ano, indicação mercadológica de que esse tipo de filme é o que há no nosso mercado. Com isso em mente, não deixa de ser um tipo de alívio ver algo como À Deriva (Brasil, 2009) tentando achar espaço.
É o terceiro longa do realizador pernambucano radicado em São Paulo Heitor Dhália, que antes fez Nina (2004) e O Cheiro do Ralo (2006). O filme teve sua estréia mundial na mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes, há dois meses, fato muito destacado pela campanha de divulgação do filme.
Dado o cenário atual, À Deriva chega hoje aos cinemas do Brasil como produto diferenciado. Desta vez, não temos um humor de comercial brasileiro de cerveja, adultos comportando-se como crianças de 12 anos e uma linguagem de TV para um público que procura sintonizar a Globo nas salas de cine.
O filme de Dhália é um relato que cheira a algo claramente pessoal e investiga relações familiares do ponto de vista de uma adolescente, Filipa (Laura Neiva). Ela observa de camarote a dissolução do casamento dos pais (Débora Bloch e Vincent Cassel) durante uma temporada de férias numa praia paraíso (Búzios, RJ), filmada nos tons meticulosamente dourados do que um certo tipo de cinema entende como sendo lembranças distantes. O filme parece se passar discretamente nos anos 80.
Neiva, que está em praticamente todas as cenas, é a primeira pessoa do filme, uma adulta em formação que irá aprender algumas coisas novas sobre o funcionamento das pessoas no mundo dos crescidos. Percebe coisas que seus irmãos mais novos nem imaginam, especialmente a movimentação amorosa do seu pai em relação a outras mulheres. Não percebe, no entanto, o que acontece com a mãe.
O francês Cassel (Irreversível, 13 Homens e um Novo Segredo) parece tentar honrar aqui sua admiração pessoal pelo Brasil, para onde vem com freqüência. Fala português e ocupa um personagem que soa como se não tivesse sido escrito originalmente para ser francês, como se Cassel tivesse aceitado o papel em cima da hora. De qualquer forma, o ator é sempre presença.
Bloch traz credibilidade dramática para o filme como a mãe instável e alcoólatra. Se juntarmos o personagem principal da filha à força insensata da mãe, vemos que À Deriva é uma obra dominada pela força sempre assustadora das mulheres.
O filme, de certa forma, é um gol para Dhalia, que parecia concentrar-se na direção de arte vistosa, figurinos berrantes e atitudes ‘mudernas’ nos seus dois filmes anteriores, mas que aqui traz o elemento humano para a frente das suas preocupações. Usa, de qualquer forma, uma série de clichês que fazem a história avançar.
Esse rito de passagem, por exemplo, envolve a perda da virgindade como barreira transponível rumo à maturidade, e eis que esse rito é marcado pelo cintilar de águas douradas sob o brilho energético do sol de Búzios. A locação é uma escolha que dá ao filme uma sensação constante de estarmos presos dentro de uma série de cartões postais. O tom geral é rosa choque.
Na verdade, é curioso observar a movimentação de alguns jovens realizadores e a pressão que existe no sentido de fazerem produtos de mercado para o cinema, seja lá o que significa isso. Na verdade, suspeitamos que isso envolve pegar uma visão pessoal totalmente realizável como obra honesta, pura e simples e maquiá-la com os mecanismos do bom gosto tido como médio. Teme-se que, no final das contas, um projeto como esse não agrade totalmente a nenhuma das partes, seja o espectador à procura de um filme forte e autoral, ou ao grande público, adestrado para rir.
À Deriva é uma produção da Focus Features (Universal) e O2 Filmes, do Fernando Meirelles (Cidade de Deus, Ensaio Sobre a cegueira), claramente a produtora de publicidade e cinema mais bem sucedida do Brasil, possivelmente da América Latina. Se Meirelles é um realizador seguro que tem o talento nato de fazer filmes para o mundo, percebe-se que sua estrutura termina atraindo e/ou influenciando outros realizadores a atingir um certo “padrão internacional” que, na pior das hipóteses, é trazido de forma calculada.
Se isso é óbvio em projetos estritamente comerciais como Viva Voz (2004), de Paulo Morelli, esse tipo de pressão termina se evidenciando com certo pesar quando o filme proposto vem de uma motivação que aparenta ser pessoal, moldada finalmente num produto que quer ser comercial.
De maneira semelhante à sentida em relação ao primeiro longa de Philipe Barcinski, Não Por Acaso (2007), outra produção da O2, À Deriva, mais bem sucedido como filme, também sugere algo de pessoal, mas acrescida de mecanismos que sugerem uma embalagem industrial. Além da paisagem e fotografia Polaroid, a música de Antônio Pinto, uns pianinhos que emulam Yann Tiersen (Amélie Poulain) se intrometem numa ação humana que, de outra forma, é de interesse.
De qualquer forma, fica a curiosidade de observar como o mercado irá receber À Deriva, que, no geral, está acima do que o recente cinema brasileiro de ambições comerciais tem feito.
Filme visto na Sala Debussy, Cannes, Maio 2009
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1 comment:
Assessoria do filme pede para divulgar o blog do À Deriva, aqui está: http://www.aderivafilme.com.br/blog/
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