Friday, July 31, 2009

Desejo e Perigo


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Dramas humanos de amor em tempos de guerra parecem, em geral, divididos em dois tipos. No primeiro, duas pessoas são separadas pela morte de uma delas, vide o popular O Suplício de uma Saudade (1954), ou a obra prima russa Quando Voam as Cegonhas (1959). O segundo tipo mostra uma relação de amor engolida por eventos bem maiores e poderosos, exemplo clássico de Casablanca (1941) ou do recente filme de Ang Lee, Desejo e Perigo (Se, Jie, EUA/China/Taiwan/Hong Kong, 2007), uma história envolvente cujo sabor frio da sua beleza permanece com o espectador bem depois de finda a sessão.

Desejo e Perigo se passa na Shanghai de 1942, mesmo cenário e período do interessante fracasso que foi O Império do Sol (1987), de Steven Spielberg, a história de um garoto perdido. No filme de Lee (taiwanês de origem, radicado nos EUA), temos uma movimentação política por parte de estudantes chineses que embarcam numa ação patriótica que visa matar Yee (Tony Leung), oficial chinês que trabalha para os japoneses durante a dramática ocupação da China.

Um dos estudantes perdeu a família pelas mãos severas de Yee, um homem frio que executa seu trabalho de maneira brutal. A intenção do grupo, à frente de encenações universitárias bem sucedidas com toques claramente ufanistas, é oferecer uma isca sexual para Yee.

A isca será a bela Mak Tai Tai (Wei Tang), atriz de talento capaz de emocionar centenas no palco, e que terá de contracenar sexualmente com Yee para conquistar sua confiança. Mais à frente, irá colocá-lo numa armadilha. É o clássico personagem da viúva negra, ou da espiã Mata Hari, algo revisto recentemente no também muito bom A Espiã (2006), de Paul Verhoeven, onde uma judia é enviada disfarçada para conquistar a cama de um oficial nazista, na Holanda ocupada.

Se no filme holandês temos uma empolgante aventura sobre a ética da guerra, no filme de Lee o tom é ainda mais sombrio. Ele vai fundo na relação física entre a isca e sua presa, filmando o sexo de maneira honesta e direta. Desejo e Perigo é um daqueles filmes raros que comporiam lista de obras que ajudam a construir a imagem filmada do coito no cinema, algo que permanece um tabu em 2009.

A presença de Leung reforça ainda mais paralelos possíveis nas lembranças do espectador com Amor à Flor da Pele (2000), de Wong Kar Wai, onde o sexo constante entre um casal estava no ar, e não na tela. No filme de Lee, no entanto, o amor e o romantismo, desenvolvido a partir de uma relação carnal inicialmente violenta, passa para a discreta delicadeza rumo a uma conclusão que volta a ser brutal, como a própria guerra. Mistura sentimentos humanos como traição, decepção e a violência absoluta do poder.

É um desses filmes clássicos, bem filmados. Uma seqüência importante (e muito violenta) parece não apenas servir de informação para o espectador sobre as medidas extremas influenciadas por uma Guerra, mas ainda evoca Hitchcock e a sua afirmação de que “matar um ser humano é algo trabalhoso e que dura muito, mas muito tempo”.

Não só o sexo está perfeitamente iluminado, mas partidas de majongue e cenas de rua são show. O roteiro de Lee, James Schamus e Hui Ling Wang constrói firmemente personagens e situações humanas, dando espaço ainda para que você preencha espaços. Instigante.

Filme visto no Cine Rosa e Silva, Recife, Julho 2009

3 comments:

Murilo said...

Texto muito bom, Kleber. Acho que essa sequência incrível de violência é exemplo claro de como o cinema ganha quando o diretor sabe cadenciar o filme, sabendo explodir a tensão na hora certa. Impressionante essa destreza do Lee de espalhar por toda a narrativa uma sutil brutalidade (na cenas de sedução, por exemplo) que depois vem à tona cirurgicamente, em momentos como esse e das cenas de sexo entre os dois protagonistas. Vendo esse me lembrei de Marcas da Violência do Cronenberg, onde essa catarse de violência e sexo pontuam muito precisamente a atmosfera do filme.

CinemaScópio said...

Lee é um caso curioso. Competente, clássico, nenhum traço pessoal identificável, exceto a já citada competência. Satisfaz e frustra, no geral, mas adorei esse e Hulk, especialmente.

Saymon Nascimento said...

Kléber, o traço Lee é temático, acho. Filma sempre o jogo da velha razão e sensibilidade, repressão do instinto versus convenção, etc. É um tema clássico, como ele mesmo, e ele sempre filma esse tipo de coisa, do homem que fica verde e explode tudo, aos ninjas que voam mas não se beijam, passando pelos gays que se amam, mas escondem. Às vezes privilegia o lado mais físico disso, como nesse Desejo e Perigo e em Hulk, às vezes se dedica mais à estruturas sociais de repressão de sentimentos.

E não vejo de onde a frustração, porque ele parece estar embalado numa sequência rara: O Tigre e o Dragão, HUlk, Brokeback Mountain e esse são todos maravilhosos.