Monday, July 20, 2009

Man on Wire (O Equilibrista)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Uma discussão possível em torno da morte prematura de Michael Jackson é a questão do talento. Numa sociedade moderna onde todos aparecem, com ou, preferivelmente, sem talento, a idéia de alguém ser clara e evidentemente agraciado com uma inclinação nata para a arte e a expressão pode ser realmente fascinante. A arte não apenas como uma tentativa, mas como uma flecha certeira que impacta muitos. Se Jackson é um caso claro disso, o francês Philippe Petit seria um outro. Seu feito mais incrível foi um atentado artístico contra as Torres do World Trade Center no ano de 1974, tema do documentário O Equilibrista (Man on Wire, Ing, 2008).

O filme do inglês James Marsh apresenta Petit como o artista original que honra o termo, ou seja, alguém que provoca, desafia e impacta. Misto de mímico e equilibrista, Petit desenvolveu desejos incontroláveis de conquistar espaços utilizando cabos de aço, uma longa vara de equilíbrio e um desprezo inacreditável não apenas pelas leis sociais, mas principalmente pelas que regem a gravidade.

E foi assim que Petit, em agosto de 1974, atravessou oito vezes o espaço que separava a torre sul da torre norte, achando ainda tempo e energia para deitar no cabo de aço no meio do caminho, a uma altura de mais de 400 metros.

Diz a lenda do filme que esse homem baixinho estava num consultório de dentista no final dos anos 60 quando abriu uma revista e viu fotos do que viria a ser o canteiro de obras do World Trade Center, em Nova York. A imagem o encantou no sentido de apropriar-se dela. É o desejo do artista nato, que ficará obcecado para que sua visão seja alcançada, mesmo que a obra exija uma operação de guerrilha típica de um crime bem planejado, ou talvez o de um ataque terrorista.

É essencial deixar claro que esse é um filme inteligente. Em nenhum momento da narrativa eletrizante de 94 minutos de duração há qualquer menção aos eventos históricos do 11 de setembro de 2001. Marsh sabe que ao vermos as duas torres, seja em imagens da sua construção, ou da atividade formigueira comum nos dois prédios já em funcionamento, nossa bagagem cultural e histórica dará o realce chocante em relação ao fim dos dois arranha céus que todos nós conhecemos.

O paralelo entre um ataque artístico e um ataque de terror também dá ao filme a dimensão real da visão de Petit como artista. Amparado por uma estrutura enxuta que irá viabilizar a façanha (colaboradores, equipamentos, disfarces, conversa mole, coragem), o filme não deixa claro como, nem de onde, veio o dinheiro para a operação.

De qualquer forma, Marsh constrói O Equlibrista como um thriller, desafiando as leis do documentário com reconstituições dramatizadas que geram suspense mesmo sabendo que a conclusão foi feliz.

No centro de tudo, Petit, o artista, cuja arte foi capaz de emocionar o policial enviado para prendê-lo no terraço do WTC, o juiz que o julgou pelo crime (a pena estipulada revela claramente admiração da autoridade pelo artista julgado), as centenas de pessoas que olharam para cima naquele dia, o mundo como um todo. Não é normal ver documentários sobre o mito real do artista absoluto, ou de um super homem.

Filme visto em DVD (francês), Recife, Fevereiro 2009

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