Friday, August 21, 2009

Avatar Trailer


Baixei o trailer do Avatar - http://www.apple.com/trailers/fox/avatar/ -, do James Cameron. Vendo as imagens de florestas digitais penduradas no vácuo. A indústria aposta no filme como oportunidade de reequipar o parque exibidor mundial para o 3D.

Sem medo algum de ver meu queixo cair em dezembro, e me apaixonar pelo filme, esse trailer, hoje, parece apontar para uma confirmação impressionante do que já temos tido ao longo dos últimos 10 anos. O look abraça o aspecto 'videogame', talvez fechando por completo a relação de namoro que temos tido entre o cinema e as imagens sintetizadas dos jogos. Me lembrei dos delírios de amigos com o look do GTA IV, enquanto que pra mim, é apenas um look de videogame.

Foi uma caminhada e tanto (Tron e Videodrome - 1982 - The Lawnmower Man - 1991 - The Matrix - 1999 - Final Fantasy - 2001 - A Scanner Darkly - 2006, Beowulf / 2007) de mundos vituais, não só de maneira assumida, mas na nossa percepção de que todo o cenário é um simulacro estranho, muitas vezes irritante, da realidade. Irritante pelo aspecto árido, morto.

Para nós, cinéfilos brasileiros, há ainda uma preocupação extra que, no caso de Avatar, adiciona mais uma camada de artifício ao todo. A dublagem. Rumores da indústria apontam que "não seria possível legendar" filmes em 3D por ser o processo caro e complicado. Eu vi 'Up' em Cannes legendado e tudo me pareceu lindo, e acho improvável que o processo seja mais caro do que pagar a atores/dubladores e remixar o filme para cada país.

Se a partir de agora, a indústria ditar que tudo o que veremos (num mundo que abraça o 3D como o mais incrível e importante avanço da história da imagem em movimento) será dublado, temos mais um prego no caixão da experiência cinematográfica que estávamos tendo, até agora, há décadas.

Não são só as imagens limpas, sem batimento, grão ou risco, mas imagens sem identidade também na voz. Imagens sem voz não como escolha (cópias dubladas e legendadas), mas como imposição industrial (cópias apenas dubladas).

Outra coisa me chama a atenção no trailer, algo que também me chamou a atenção essa semana vendo uma chamada de Os Normais 2, na Globo. Seria uma nova tendência? A pergunta é: sobre o que é o filme? No site da Apple, achei alguma informação, aqui traduzida, sobre Avatar:

AVATAR nos leva a um novo mundo espetacular muito além da sua imaginação, onde um herói relutante embarca numa jornada de redenção e descobertas, liderando uma batalha heróica para salvar toda uma civilização.

Hmm. Soa como uma farofa genérica.

Essa semana, revi o Two Lovers, de James Gray. O filme se passa em apartamentos aconchegantes e ruas reais de Nova York. Há algum tipo de alívio nisso. K.M.F

A Teta Assustada


Cinema mulher.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Associar o olhar de quem filma à questão do gênero é uma observação constante no cinema. É uma procura válida, considerando que os homens detém maioria esmagadora do espaço, enquanto as mulheres lutam por um lugar desde sempre. Isso leva muitos a procurar uma coisa misteriosa chamada “o olhar feminino” toda vez que uma mulher filma. No caso de A Teta Assustada (La Teta Asustada, 2009), da cineasta Claudia Llosa, a constatação é clara, num exemplo de cinema da mulher.

Mesmo que termos relacionados à percepção de gêneros (mulher, gay, macho) extrapolem a mera catalogação e análise de discurso e soem simplesmente pejorativos, obras como A Teta Assustada parecem servir de resposta para um mundo dominado por filmes de testosterona, feitos por homens e que investem na destruição. No filme de Llosa, temos um longo ato de reconstrução nos seus 95 minutos. É algo muito fêmea.

A Teta Assustada ganhou o Urso de Ouro em Berlim esse ano. Essa produção peruana, co-produzida com dinheiro espanhol, tem um certo ar de filme para exportação, muito embora os prazeres da sua beleza sejam reais e freqüentes.

A questão central é o ponto de vista feminino a partir de uma herança de violências contra o corpo da mulher. Essa brutalidade faz parte da história recente do Peru, informação liberada rápida e didaticamente. Um prólogo forte, com a tela do cinema em preto, nos passa o ódio pelo desrespeito à mulher, e estabelece a personagem central, Fausta (Magaly Solier).

Essa garota-mulher de beleza exótica e local é um daqueles rostos cartão-postal que defendem o filme a cada cena. Ela dá à obra uma certa embalagem de latinidade para exportação, acrescida de uma poesia crua normalmente associada ao realismo fantástico, outra expectativa do olhar estrangeiro sobre essa cultura.

Fausta, um bichinho do mato, trabalha como empregada doméstica para uma pianista da classe alta, em Lima. Seu tio, que a quer bem, acredita que ela é vítima da “teta assustada”, onde o leite angustiado da mãe é passado para a filha pelo peito. Fausta, de fato, nasceu em meio ao horror.

Ela precisa administrar pelo menos duas questões essenciais. A primeira, enterrar o cadáver da sua sofrida mãe, ainda guardado em casa no povoado onde vive. A segunda questão envolve seu próprio corpo, que ela parece ter blindado contra toda e qualquer possibilidade de violência por parte de homens. Não é à toa que Fausta sente-se tão desconfortável nas curiosas sequências de casamento que pontuam a narrativa. São duas idéias ricas em significados e que dão ao filme sustento dramático marcante.

É um filme de detalhes, alguns deles forçando a relação do espectador com uma série de signos. Llosa filma repetidamente um portão mecânico, por exemplo, tão típico na nossa América Latina dividida entre o lado de fora (pobreza) e o lado de dentro (riqueza). Talvez exista ainda uma leitura sexual para a relação do portão com a personagem, pois é ela quem sempre aciona o abre e fecha da barreira. Há pombas brancas em cena e batatas também, como elemento de segurança e vida que cresce morta. Mais tarde, vida que cresce viva.

As imagens fluem, as cores são fortes e Llosa filma com economia segura. Seu filme trilha a linha tênue que separa o intrigante do efeito calculado. No geral, sai ganhando a intriga da beleza de uma delicadeza inegavelmente feminina.

Filme revisto no Cinema da Fundação, Recife, Agosto 2009

The Hangover (Se Beber Não Case)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Se Beber Não Case (The Hangover, EUA, 2009) acertou na mosca comercial. Tornou-se a comédia de maior sucesso dos últimos 25 anos nos EUA, título que ainda pertencia a Um Tira da Pesada (Beverly Hills Cop, 1984). É um filme bem articulado, calculado para conquistar o público masculino americano que compõe uma cultura peculiar na administração das suas culpas sexuais.

O filme parece ter sido armado a partir de pesquisas de marketing feitas nas portas de cinemas. Esse passatempo para rapazes tem como antepassado o outro hit gigante de tantos verões passados, o verdadeiramente mal criado Clube dos Cafajestes (National Lampoon's Animal House, 1978), de John Landis, que, de alguma forma, soava bem mais natural e livre do que esse aqui.

Por ser moderno, segue a linha secretamente carola do muito bom O Virgem de 40 Anos, de Judd Apatow, e do longo Penetras Bons de Bico, de David Dobkin. Assim como Se Beber Não Case, os dois filmes citados trazem um grupo de homens que, a partir da amizade que os une, irão passar por uma aventura. Nos três, a instituição do casamento é a âncora moral de tudo.

Desta vez, a aventura envolve um mistério, explicada pela idéia de que todos sofrem de uma ressaca monstruosa. Parte do pacote químico consumido envolvia o ‘boa noite Cinderela’, a droga que põe a vítima para dormir e cria um lapso de esquecimento. Útil para os prazeres culpados aqui mostrados e para o filme como um todo.

Na cultura americana, Las Vegas é uma espécie de zona franca moral onde o indivíduo pode soltar os cachorros nos prazeres que o dinheiro compra, longe de suas cidades e à solta na chamada ‘sin city’ (cidade do pecado). Talvez seja bem visto socialmente pelo fato de ir a Las Vegas significar, indiretamente, que há situação financeira saudável por parte do cidadão, e que lá ele poderá comprar o seu prazer, gerando ainda mais capital. Pelo jeito, é tudo muito bem aceito por famílias, namoradas, noivas e esposas, uma vez que “o que acontece em Vegas, fica em Vegas”. Esse tipo de coisa foi abordado num dos segmentos do bem melhor Vamos Nessa (Go, 1999), de Doug Liman.

Às vésperas do casamento de Doug (Justin Bartha), ele e seus amigos Phil (Bradley Cooper), Stu (Ed Helms) e Alan (Zach Galifianakis) vão comemorar nos hotéis e cassinos. A noiva de Doug passa o filme se maquiando preocupada e a namorada de Stu é uma bruaca dominadora. A personagem mulher mais simpática em cena é uma prostituta Disney (Heather Graham). É de se suspeitar que os realizadores não têm muito contato com mulheres.

Acordando na manhã seguinte, Doug está desaparecido, e os três não lembram de nada. O roteiro mantém o interesse, especialmente ao criar terreno para o que talvez seja (excetuando as de Animal House) a farra mais absurda já mostrada no cinema, noite revelada em detalhes engraçados.

Um aspecto curioso é ver que o mistério é elucidado através de ‘imagens de arquivo’ (câmeras de segurança, fotografias). O choque entre a razão sóbria e o fato registrado em imagem é dramático como humor, mesmo que homens sensatos nas suas vidas comuns se vejam roubando uma viatura policial ou abduzindo o tigre de estimação de Mike Tyson.

A presença de Tyson no filme é o tipo de detalhe que explica, em parte, o sucesso de Se Beber Não Case. Carismático, engraçado e fã de Phil Collins, acrescenta tom absurdo ao todo. Há também a participação de uma bicha chinesa que acredita no chilique como instrumento de ameaça.

No final das contas, temos uma comédia masculina que consegue evitar o sexo filmado como o diabo corre da cruz (sexo é objeto de repulsa no mercado hollywoodiano hoje), que explora a liberdade paga e sem memória, e com a redenção moral de um altar no final. Um casório no final é elemento indispensável nesse tipo de produto.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, Agosto 2009

Sunday, August 16, 2009

Vinheta #2 do Janela Internacional de Cinema do Recife

Eu havia feito a 1a vinheta do Janela (posrtada aqui), e agora entrou no ar a 2a, feita por Gabriel Mascaro. Usa uma obra de Banksy, artista inglês.

Thursday, August 13, 2009

Drag me to Hell


O Horror Oral de Sam Raimi.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A gente reclama de Hollywood, da monotonia da sua produção e, por tabela, da programação dos multiplexes, mas a verdade é que o cinemão americano, por linhas talvez tortas, termina surpreendendo pela diversidade. Essa semana, por exemplo, temos não apenas a anomalia que deve ser vista chamada Brüno, com Sascha Baron Cohen, mas também essa deliciosa baderna cinéfila que é Arrasta-me Para o Inferno (Drag Me To Hell, 2009), filme de Sam Raimi, ambos produções da Universal.

Se Brüno é fruto exclusivo do nosso mundo na primeira década do século 21, o filme de Raimi parece existir com base no passado do cinema comercial classe B feito nos EUA, nos filmes e séries de terror dos anos 60 e 70, como The Twilight Zone (Além da Imaginação) ou A Casa da Noite Eterna (Legend of Hell House, 1973). É um desses filmes onde o espectador tem a certeza de estar se divertindo tanto quanto o cineasta que o fez.

É a história de uma garota bacana chamada Christine (Alison Lohman), com namorado companheiro Clay (Justin Long). Ela trabalha com empréstimos num banco e descobre horrorizada que foi amaldiçoada por uma cliente idosa, Dona Gamush (Lorna Raver).

A maldição veio depois que Christine recusou um empréstimo para a cliente, decisão tomada pela nossa heroína de bom coração a partir de exigências de produtividade no banco e medo de perder uma promoção. Competitividade capitalista e liquidez garantida podem levar alguns a ter um encosto por perto, cuidado.

Na verdade, “idosa” não é a palavra certa para descrever a Dona Sylvia Ganush, pois ela é apresentada como o pesadelo perfeito da “velha debaixo da cama”. Séria, voz rouca, chapa nos dentes e um lenço na cabeça. Para americanos, a lista de horrores ainda inclui um espesso sotaque estrangeiro. É uma “velha”, no sentido mais aterrorizante do termo, parte integrante da psicologia infantil mais sombria.

Dizem que os dois gêneros de cinema mais difíceis de acertar são o horror e a comédia. Em termos práticos, a eficácia de cada um pode ser checada em reações físicas no espectador, seja rindo ou se encolhendo na cadeira, não raramente pulando ou contorcendo-se, com asma cômica ou boca seca. Dos dois gêneros, muito raramente surgem frutos que unem de maneira igualitária o medo e a graça. Esse é o caso de Arrasta-me Para o Inferno.

Sam Raimi tem a mão firme de um autor que escreve com caligrafia pessoal. Foi um desses talentos natos recrutados pela grande indústria a partir de primeiras experiências totalmente independentes que rodaram o mundo, como o clássico espetacular da invenção e da câmera absurda que é A Morte do Demônio (The Evil Dead, 1983), feito por ele e seus amigos em 16mm e orçamento zero.

Talvez Hollywood tenha aberto os olhos para o trabalho de Raimi depois que dirigiu o delirante Darkman (1990) para a Universal e, encurtando a história, Raimi é hoje o homem por trás do sucesso de bilhões de dólares da franquia Homem Aranha, que vai agora para o quarto filme com ele ainda dirigindo.

Isso parece gerar um prazer ainda maior de vê-lo fazendo um filme pequeno como Arrasta-me Para o Inferno. Nesse tipo de cinema B, algo não funciona tão perfeitamente como deveria, o filme em si talvez deixe a desejar em partes, mas os prazeres são enormes ao longo de praticamente toda a duração, e sensação geral é a melhor possivel.

Vale observar curiosidades alarmantes nesse filme. Raimi não apenas aposta num trabalho de som radical, misto de “som clássico” amparado por trilha sonora de Christopher Young acrescida da agressividade das mixagens modernas, mas há uma engraçada fixação oral do filme (e de Raimi) em relação ao terror. Há muita boca aberta, ataque de boca, mordidas e líquidos indesejáveis entrando e saindo de bocas. Veja, com a boca tapada.

PS: Outra coisa sobre o fator estrangeiro da bruxa Ganush, e que nos confirma aspectos nefastos (mas sempre reveladores) da cultura americana. Além de ela ter sotaque, todas as pessoas intimamente relacionadas com o mal, até mesmo um guru benigno, tem a aparência de não-americano, ou sotaque de fora. Na verdade, são mexicanos ou europeus do leste. Nossa heroína, claro, que nada tem a ver com o mal, mas que é apenas vítima, é loirinha e americana como uma torta de maçã.


PS: A pré-estréia na qual vi o filme sábado, 8 de agosto, foi um pesadelo por si só. A imagem desfocava constantemente na sala 4 do UCI Boa Viagem, às vezes radicalmente (as legendas viravam borrões brancos indecifráveis). Espectadores gritavam (com o defeito), saíam para reclamar, o filme parou numa cena tensa, três minutos sem qualquer informação, o filme volta, desenquadrado. Nenhum pedido de desculpas, nenhuma cortesia (como nos EUA...) para que o espectador volte outro dia sem ter que pagar. Enfim, o UCI Boa Viagem, com 11 anos, está mais para uma sala de 2a. rodada, mas com ingressos caros de sala de 1a. Pena.

Tempos de Paz


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Daniel Filho está meio que no topo. Já nos seus 70, se manteve à frente da TV, do teatro e do cinema no Brasil ao longo dos últimos 40 anos, sempre em posições de liderança. Nos últimos dez anos, parece ter encontrado um nicho gigantesco junto à Globo Filmes onde tem a liberdade de fazer a sua musculação criativa e comercial com uma série de sete filmes em oito anos, todos populares e que incluem os dois Se Eu Fosse Você, vistos por mais de nove milhões de brasileiros. E segue fazendo seu cinema com mais um exercício chamado Tempos de Paz (Brasil, 2009), com Tony Ramos e Dan Stulbach.

Ao se debruçar sobre os filmes de Daniel Filho, há sempre uma tensão curiosa para com o observador que não pode se considerar um admirador do que ele filma. Temos um homem do entretenimento brasileiro, talvez o maior nome de uma indústria de áudio-visual que ainda engatinha, associado diretamente a marcos históricos da cultura nesse país, como a novela Dancin’ Days (1978) e a um filme como Cidade de Deus, que assina como produtor associado.

Seus filmes recentes, como A Partilha (2001) ou Primo Basílio (2007) ilustram seu discurso, já muito conhecido, que é o de sempre se comunicar com o grande público. Parece estar fazendo bem esse trabalho há décadas. Essa busca pelo público tem a contrapartida, por parte dele, como realizador, de fazer filmes que estão acima da média brasileira de mercado, produções fluentes, com atuações corretas e roteiros funcionais que contam histórias.

Normalmente, seriam filmes medíocres se a média brasileira não fosse tão ruim. Como estamos, os filmes de Daniel Filho são os melhores produtos comerciais que temos, numa proposta nacional de mercado, público e lucro através de uma constância na sua produção.

Depois de Se Eu Fosse Você 2, lançado em janeiro, ele nos traz esse produto aparentemente pequeno, uma adaptação da peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz, de Bosco Brasil. O resultado é curioso.

É essencialmente um diálogo teatral entre dois personagens antagônicos, Segismundo (Ramos) e Clausewitz (Stulbach), o primeiro, um chefe da alfândega no Rio de Janeiro em abril de 1945. O segundo é um ator polonês que desembarca no porto vindo da Europa. O brasileiro esteve à frente de horrores como integrante da policia de Getúlio Vargas, o polonês sofreu horrores do nazismo. O próprio Daniel Filho interpreta uma vitima política de Segismundo, homem íntegro que tenta entender o porquê da violência contra a sua pessoa.

Tempos de Paz parece abraçar as origens teatrais do material encenado, tentativa de o cinema honrar o palco, e isso inclui até mesmo a buzina do navio ouvida de tempos em tempos, com a identidade sonora de que estaria sendo operada por algum contra-regra.

O texto parece achatado, no sentido de que tudo o que é dito parece se bastar, sem entrelinhas ou dubiedades, levando progressivamente a momentos de dramaticidade que chamam sempre um virtuosismo terrivelmente piegas. Talvez seja o segredo da narrativa popularesca, uma situação sem nuances que levará a uma explosão de emoção encenada e pontuada.

O personagem Segismundo, um ignorante com passado sofrido, burocrata infernal e capacho sem escrúpulos, irá se curvar diante do poder da arte de um homem puro. Vale observar que, por outro lado, o artificialismo constante é finalmente assumido com alguma delicadeza.

Stulbach parece destacar-se com a alegria evidente de quem adora seu personagem. Ele e Ramos dividem o espaço cênico como num espetáculo popular encenado sexta à noite, com casa lotada. Poderá ser um sucesso para o nicho inexistente no Brasil de filmes pequenos com pretensões populares.

PS: Stulbach, durante a projeção, me lembrou não apenas do Tom Hanks, mas do Hanks de O Terminal, de Spielberg, preso numa situação semelhante, e pintado com tintas mesmas, a do bom homem que conquista a burocracia.

Filme visto no Box Cinemas, Recife, Agosto 2009

Pornochancheiro

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Wednesday, August 12, 2009

Brüno


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Há algo de atraente na feiúra de Brüno (EUA, 2009), filme dirigido por Larry Charles, mas que pertence ao ator e arte-anarquista inglês Sacha Baron Cohen. Ele interpreta o personagem titular, um jornalista espetacularmente gay, fascinado pelo mundo da moda e das celebridades. Talvez o filme não seja muito bem sucedido como proposta completa e fechada de uma comédia, mas termina sendo notável pela sua capacidade de desfigurar artisticamente um estado de coisas que já observamos com perplexidade real, diariamente.

Cohen impressionou com Borat (2006), um ‘documentira’ muito engraçado sobre, em termos gerais, a dificuldade que os EUA têm de lidar com o elemento estrangeiro. A estética do constrangimento tão bem pesquisada por Cohen já era o centro das atenções, atraindo vítimas insuspeitas para serem expostas pela sua ignorância, racismo e preconceito.

Em Brüno, ele expande seu raio de ação, e parece ter como alvo a sociedade moderna cujo epicentro continua sendo os EUA. Na verdade, é até difícil definir o quê Cohen está mirando nesse filme, que é o equivalente hollywoodiano (o estúdio por trás é a “Üniversal”) de uma bomba de prego toscamente montada. O filme é uma benvinda anomalia.

O eixo de Brüno aparenta ser a representação e percepção do homossexualismo, aqui personificado pelo fashionista austríaco de 1.90m, geneticamente incapaz de estar a menos de um metro de uma mulher.

Além de termos um pastor evangélico que cura homossexualidade (extensamente ridicularizado), há o clímax do filme, seqüência espetacular construída para dar corda numa platéia (dentro e fora do filme) que não parece entender que o homossexualismo existe e faz parte do mundo. Como sempre, planos de reação são o ouro desse tipo de investigação, e cada um deles aqui apresentado traz carga dramática grande.

No entanto, Brüno sai dando tiro não só em relação à percepção do ser gay.

“Madonna tem o dela, Brangelina tem o deles, eu também tenho” diz Brüno ao abrir uma caixa de papelão na esteira de bagagens do aeroporto, com um bebê africano dentro. O infante - trocado na África por um iPod - passa a usar uma camisetinha colada com a palavra “Gayby” estampada.

Idéias como estas dão conta, de uma só vez, do descaso do mundo rico para com a África, das celebridades e de suas excentricidades super divulgadas, dos valores de um mundo. Fica difícil, por exemplo, não lembrar daquele incidente com Michael Jackson pendurando seu bebê de uma varanda ao vermos fotos de Brüno e seu filho, o pai dentro de uma roupa de apicultura, o garotinho coberto de abelhas desprotegido.

Um outro momento inteligente envolve Paula Abdul sentando em mexicanos durante uma entrevista, interpretação perfeita para as diferenças que existem nos EUA, especialmente em Los Angeles. Está tudo lá, distorcido pelas lentes da anarquia.

Curiosamente, o efeito do filme está mais no todo do que nas partes. Um número de sequências maior do que o aceitável não parece funcionar, ficando o espectador a entender a idéia, mas a lamentar o resultado. Uma ida à Faixa de Gaza chama mais a atenção pela coragem da empreitada do que pelo efeito pretendido, e uma tentativa de destruir a reputação sexual de um político (Ron Paul) deixa apenas um gosto ruim na boca.

Essa tensão do constrangimento e do confronto vem de experiências não esclarecidas entre a realidade (Harrison Ford não quis fazer parte, subentende-se...) e a encenação (atores trabalhando para o filme, como no hotel, a própria Abdul). É um curioso jogo de cena que, de alguma forma, Eduardo Coutinho talvez ache interessante, borrando as linhas entre tensão registrada e tensão encenada.

Essa dúvida constante pode ser a principal riqueza do filme. Brüno talvez seja o repórter principal do mau gosto, o Perez Hilton do cinema, o E! Entertainment News estilizado, o enterro de Michael Jackson transformado em cena filmada. Seu filme de cinema traveste-se de TV para se tornar uma caricatura fiel de como as coisas têm sido.

Há algo de muito forte e obstinado nas entrelinhas do trabalho de Cohen e do seu provável mentor intelectual, o comediante americano Andy Kaufman, falecido precocemente em 1984. A obra de Kaufman ganhou um belo filme pelas mãos de Milos Forman, Man on the Moon (O Mundo de Andy, 1999).

Os dois artistas, judeus de origem, têm algum tipo de cruzada apaixonada contra os que fazem do mundo um espaço menor do ponto de vista das idéias, das diferenças. Resta abrir o debate para questionar os métodos de Cohen, que toca o terror ético armado com câmeras. É o mais próximo que temos do Coringa de Batman, livre, solto e bem pago, fazendo filmes. No caso de Cohen, ele não perguntaria "Why So Serious?", mas talvez o seu direcionamento seja "Porquê tão tacanha?". Aparenta estar lutando ferozmente contra isso.

PS: Adorei Brüno levando chibatadas da virgem.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, Agosto 2009

Monday, August 10, 2009

Os 50 MELHORES Filmes da 2a. Guerra (Time Out)


A Time Out (Londres) propõe mais uma lista, a dos 50 GREATEST Filmes da 2a. Guerra Mundial, preparando terreno para o lançamento de Bastardos Inglórios, de Tarantino. Essas listas são sempre um prazerzinho, especialmente quando o filme que ocupa o Número 1 bate com o seu próprio filme NÚMERO 1.

O link é esse - http://www.timeout.com/film/features/show-feature/8357/the-50-greatest-world-war-two-movies-part-one.html, em inglês, claro.

Leiam os comentários de Quentin Tarantino e vejam como ele acerta todos, exceto, claro, seu discurso 'bulshit' (polido, educado, medido e pesado) sobre O Resgate do Soldado Ryan, de Spielberg. K.M.F

Friday, August 7, 2009

O Multiplex Global


foto KMF, Buenos Aires, Julho 2006

Quem viaja para o exterior já deve ter percebido que o mesmo filme lhe persegue desde o seu bairro, em aeroportos, no avião e para aonde quer que você vá. É um pouco isso quando vejo esse link - boxofficemojo.com/intl/ - das bilheterias em todo o mundo. São os mesmos filmes, em todos os lugares, de Gana à Eslovênia, do Recife a Moscou, Rio e Budapeste.

Poucos focos de resitência (ou seja, filmes que ninguém nunca ouviu falar, ou ouvirá mais na vida) vêm exatamente de países cuja cultura cinematográfica oferece resistência (Suécia, Coréia do Sul). É Hollywood. K.M.F

Moscou



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Poder acompanhar a construção lenta e gradual da obra de um autor continua sendo uma das melhores coisas da arte. No caso de Eduardo Coutinho, seu cinema (Cabra Marcado Para Morrer, Santo Forte, Babilônia 2000) firmou-se como o cinema brasileiro do registro, forçosamente rotulado de “documentário”. Recentemente, partiu para ensaios filmados que parecem questionar sua própria herança autoral. Isso nos leva ao curioso fracasso que talvez seja Moscou (Brasil, 2009), seu novo filme.

A possibilidade de Moscou ser uma falha não deve ser entendida como a de um fracasso comum. Não trata-se de um documentário objetivo que nada acrescenta à obra do realizador, ou que resvala para o ‘nada a declarar’ como discurso. Eduardo Coutinho parece estar além disso, como se à procura de uma busca.

Na verdade, se cada filme (ou obra) é uma busca, às vezes é importante registrar a busca, ou a tentativa, como o próprio filme. É um conceito que esse autor já vinha desenvolvendo a cada novo trabalho. Dessa vez, no entanto, ele documenta o processo de uma obra que não acontece.

Durante a projeção de Moscou, Coutinho parece estar nos trazendo uma caixa não com um filme dentro, mas com um paralelepípedo de dez quilos. E nos pede ansioso que olhemos para a pedra que ele achou na sua procura.

Se em Edifício Máster (2003) ele traçava um panorama humano confinado às linhas arquitetônicas de um prédio, em Moscou ele parece despir-se dos personagens para investigar a arquitetura dramática de uma encenação pobre. Vaga sem pistas pela sua pesquisa num filme composto por imagens de um jogral mal filmado em planos estéreis.

Logo, o exercício de Moscou ficará restrito a um jogo puramente intelectual. É a estréia de Coutinho no exercício cerebral monótono e fora de controle, uma lombra bem mais atraente finda a sessão do que ao longo da mesma. Atraente pois um dos nossos grandes autores está livre para experimentar, e solto para tentar se entender, mesmo que a sua busca seja de interesse restrito para os muito poucos que tiverem a paciência.

Isso pode soar como um ponto positivo para alguns, mas certamente deve ser algum tipo de pesadelo momentâneo para esse autor dotado do talento para a clareza inteligente no filmar. Exigir paciência a partir de um exercício brechtiano sem frescor como esse é sensação frustrante na obra de alcance normalmente bem maior que é a obra de Eduardo Coutinho.

A aridez de Moscou para com as figuras que o habitam chama a atenção. No conjunto da obra, o filme é coerente com o anterior, Jogo de Cena (2007), já uma reflexão sobre realismo e drama encenado, usando o teatro não apenas de maneira literal (palco, cortina, coxia), mas no seu sentido mais figurativo (a de uma mentira gerada, como o cinema também é).

Coutinho utiliza mais uma vez o procedimento de atores (Grupo Galpão, de Belo Horizonte) interpretando eles mesmos, e também personagens, nesse caso os de As Três Irmãs, de Anton Checov. O texto de 1901 é um dos mais fascinantes momentos do dramaturgo russo.

A escolha de As Três Irmãs talvez seja sugestiva para conhecedores do trabalho de Coutinho. É sempre um enigma tentar enxergar o homem que faz os filmes, mas o texto de Checov deixa um sabor forte e duradouro de passagem do tempo, da satisfação inalcançável e uma ânsia de ser lembrado num futuro distante. Isso é abraçado com força em determinado momento na voz rouca de Coutinho sumindo em direção ao silêncio.

Já na casa dos 70, Coutinho inspirou em muitos a sensação de estar deixando seu réquiem quando do lançamento de O Fim e o Princípio, em 2005. A sensação volta a rondar Moscou. Naquele outro filme, ele conversava com idosos numa pequena comunidade do interior da Paraíba. Foi um filme de transição e de impasse, apontado por alguns como a repetição de um mesmo procedimento.

Em O Fim e o Princípio, Coutinho parecia flertar com a obra de Lars Von Trier em Dogville (2003). Um mapa emotivo da comunidade sertaneja seguia o mesmo tipo de design do mapa da comunidade no filme do cineasta dinamarquês, e agora é impossível não lembrar em Moscou da encenação de Von Trier via Brecht em Dogville e em Manderlay (2005).

A citação a Von Trier é útil ainda no sentido de trazer Coutinho para um trio de autores (Von Trier com Anticristo, Quentin Tarantino com Bastardos Inglórios) do cinema que acabam de apresentar obras incomuns que podem ser vistas como fracassos especialíssimos que deixam cada um dos autores em encruzilhadas criativas que inspiram mais otimismo do que pessimismo.

No caso de Moscou, há um momento representativo na apresentação dos atores no início do filme. Temos a presença não só do diretor da peça, Enrique Dias, mas do próprio Coutinho, que parece estar substituindo Checov à mesa. Nesse encontro inicial, todos parecem estar indo a algum lugar. No final, suspeita-se que apenas Coutinho foi, saindo ileso de uma experiência que não deu certo, exceto pela pedra que disso resultou.

Filme visto no Cinema da Fundação, Recife, Agosto 2009

GI Joe - Rise of the Cobra


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Não há muito o que dizer sobre GI Joe - Rise of the Cobra (EUA, 2009), a farofa hi-tech de ação da semana. Trata-se de mais uma adaptação não de um livro, ou de uma peça, nem tampouco de um videogame, mas de um brinquedo. É o segundo brinquedo adaptado em um mês depois de Transformers 2, com o qual GI Joe divide todas as semelhanças. Por brinquedo, nos referimos aos “bonecos de ação” da marca Hasbro, agora transformados num filme milionário com todas as explosões que tem direito.

O diretor é Stephen Sommers, que fez A Múmia e Van Helsing. É triste compará-lo a Michael Bay e ainda ver que Sommers sai por baixo. Por mais que Bay seja uma besta, ainda é possível enxergar ali um autor besta. No caso de Sommers, não há nada que aponte para o trabalho de um ser humano ali por trás. GI Joe passa como uma coisa genérica onde até mesmo os efeitos especiais parecem abaixo de um mínimo esperado. Ou seja, pode ter faltado pulso (algo que Bay notoriamente tem) para exigir o melhor do melhor.

A historinha envolve mais um esquadrão especial de forças americanas, os “Joes”, última cartada do mundo militarizado para situações limite. Esse mundo dos ‘Joes’ é futurista e repleto de tecnologia de guerra, o que dá ao filme um ar de Robocop com James Bond e Exterminador do Futuro. À exceção de Dennis Quaid, como o comandante, o elenco é todo classe B, o que não deve ajudar muito filme tão sem personalidade nas bilheterias.

Eles irão enfrentar mais um maluco que quer destruir o mundo, aliado da nanotecnologia, micro baratinhas que roem o que estiver pela frente. O apetite destrutivo desse tipo de coisa já é conhecido, e envolve a demolição de pontos turísticos internacionais. Dessa vez, sobra para a Torre Eiffel.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, Agosto 2009

Thursday, August 6, 2009

John Hughes Morre aos 59




Acabei de ler na Variety. Um brinde para esse realizador que marcou uma geração que hoje está na casa dos 30-40 a partir de crônicas cheias de momentos verdadeiros sobre ser jovem (nos anos 80). Quem viu The Breakfast Club (1984), Weird Science (1985), Curtindo a Vida Adoidado (1986) e Pretty in Pink (1986, escreveu e produziu) deve saber do que estou falando.

Wednesday, August 5, 2009

Longa de Esmir Filho



Recebi email de uma assessoria internacional de imprensa divulgando o primeiro longa de Esmir Filho (Alguma Coisa Assim, Saliva), e uma série de links para teasers. O filme terá sua estréia mundial em Locarno, semana que vem.

Achei curiosa a forma como o email destaca o fato de o filme não ter nada a ver com o vocabulário usual do cinema brasileiro, onde a palavra chave é favela - "shows a new refreshing side of Brazil, far removed from the caricatures, the favelas, crime and samba music". Deverá gerar uma quantidade interessante de discussão quando chegar ao Brasil.