Friday, August 21, 2009

The Hangover (Se Beber Não Case)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Se Beber Não Case (The Hangover, EUA, 2009) acertou na mosca comercial. Tornou-se a comédia de maior sucesso dos últimos 25 anos nos EUA, título que ainda pertencia a Um Tira da Pesada (Beverly Hills Cop, 1984). É um filme bem articulado, calculado para conquistar o público masculino americano que compõe uma cultura peculiar na administração das suas culpas sexuais.

O filme parece ter sido armado a partir de pesquisas de marketing feitas nas portas de cinemas. Esse passatempo para rapazes tem como antepassado o outro hit gigante de tantos verões passados, o verdadeiramente mal criado Clube dos Cafajestes (National Lampoon's Animal House, 1978), de John Landis, que, de alguma forma, soava bem mais natural e livre do que esse aqui.

Por ser moderno, segue a linha secretamente carola do muito bom O Virgem de 40 Anos, de Judd Apatow, e do longo Penetras Bons de Bico, de David Dobkin. Assim como Se Beber Não Case, os dois filmes citados trazem um grupo de homens que, a partir da amizade que os une, irão passar por uma aventura. Nos três, a instituição do casamento é a âncora moral de tudo.

Desta vez, a aventura envolve um mistério, explicada pela idéia de que todos sofrem de uma ressaca monstruosa. Parte do pacote químico consumido envolvia o ‘boa noite Cinderela’, a droga que põe a vítima para dormir e cria um lapso de esquecimento. Útil para os prazeres culpados aqui mostrados e para o filme como um todo.

Na cultura americana, Las Vegas é uma espécie de zona franca moral onde o indivíduo pode soltar os cachorros nos prazeres que o dinheiro compra, longe de suas cidades e à solta na chamada ‘sin city’ (cidade do pecado). Talvez seja bem visto socialmente pelo fato de ir a Las Vegas significar, indiretamente, que há situação financeira saudável por parte do cidadão, e que lá ele poderá comprar o seu prazer, gerando ainda mais capital. Pelo jeito, é tudo muito bem aceito por famílias, namoradas, noivas e esposas, uma vez que “o que acontece em Vegas, fica em Vegas”. Esse tipo de coisa foi abordado num dos segmentos do bem melhor Vamos Nessa (Go, 1999), de Doug Liman.

Às vésperas do casamento de Doug (Justin Bartha), ele e seus amigos Phil (Bradley Cooper), Stu (Ed Helms) e Alan (Zach Galifianakis) vão comemorar nos hotéis e cassinos. A noiva de Doug passa o filme se maquiando preocupada e a namorada de Stu é uma bruaca dominadora. A personagem mulher mais simpática em cena é uma prostituta Disney (Heather Graham). É de se suspeitar que os realizadores não têm muito contato com mulheres.

Acordando na manhã seguinte, Doug está desaparecido, e os três não lembram de nada. O roteiro mantém o interesse, especialmente ao criar terreno para o que talvez seja (excetuando as de Animal House) a farra mais absurda já mostrada no cinema, noite revelada em detalhes engraçados.

Um aspecto curioso é ver que o mistério é elucidado através de ‘imagens de arquivo’ (câmeras de segurança, fotografias). O choque entre a razão sóbria e o fato registrado em imagem é dramático como humor, mesmo que homens sensatos nas suas vidas comuns se vejam roubando uma viatura policial ou abduzindo o tigre de estimação de Mike Tyson.

A presença de Tyson no filme é o tipo de detalhe que explica, em parte, o sucesso de Se Beber Não Case. Carismático, engraçado e fã de Phil Collins, acrescenta tom absurdo ao todo. Há também a participação de uma bicha chinesa que acredita no chilique como instrumento de ameaça.

No final das contas, temos uma comédia masculina que consegue evitar o sexo filmado como o diabo corre da cruz (sexo é objeto de repulsa no mercado hollywoodiano hoje), que explora a liberdade paga e sem memória, e com a redenção moral de um altar no final. Um casório no final é elemento indispensável nesse tipo de produto.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, Agosto 2009

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