Thursday, August 13, 2009

Tempos de Paz


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Daniel Filho está meio que no topo. Já nos seus 70, se manteve à frente da TV, do teatro e do cinema no Brasil ao longo dos últimos 40 anos, sempre em posições de liderança. Nos últimos dez anos, parece ter encontrado um nicho gigantesco junto à Globo Filmes onde tem a liberdade de fazer a sua musculação criativa e comercial com uma série de sete filmes em oito anos, todos populares e que incluem os dois Se Eu Fosse Você, vistos por mais de nove milhões de brasileiros. E segue fazendo seu cinema com mais um exercício chamado Tempos de Paz (Brasil, 2009), com Tony Ramos e Dan Stulbach.

Ao se debruçar sobre os filmes de Daniel Filho, há sempre uma tensão curiosa para com o observador que não pode se considerar um admirador do que ele filma. Temos um homem do entretenimento brasileiro, talvez o maior nome de uma indústria de áudio-visual que ainda engatinha, associado diretamente a marcos históricos da cultura nesse país, como a novela Dancin’ Days (1978) e a um filme como Cidade de Deus, que assina como produtor associado.

Seus filmes recentes, como A Partilha (2001) ou Primo Basílio (2007) ilustram seu discurso, já muito conhecido, que é o de sempre se comunicar com o grande público. Parece estar fazendo bem esse trabalho há décadas. Essa busca pelo público tem a contrapartida, por parte dele, como realizador, de fazer filmes que estão acima da média brasileira de mercado, produções fluentes, com atuações corretas e roteiros funcionais que contam histórias.

Normalmente, seriam filmes medíocres se a média brasileira não fosse tão ruim. Como estamos, os filmes de Daniel Filho são os melhores produtos comerciais que temos, numa proposta nacional de mercado, público e lucro através de uma constância na sua produção.

Depois de Se Eu Fosse Você 2, lançado em janeiro, ele nos traz esse produto aparentemente pequeno, uma adaptação da peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz, de Bosco Brasil. O resultado é curioso.

É essencialmente um diálogo teatral entre dois personagens antagônicos, Segismundo (Ramos) e Clausewitz (Stulbach), o primeiro, um chefe da alfândega no Rio de Janeiro em abril de 1945. O segundo é um ator polonês que desembarca no porto vindo da Europa. O brasileiro esteve à frente de horrores como integrante da policia de Getúlio Vargas, o polonês sofreu horrores do nazismo. O próprio Daniel Filho interpreta uma vitima política de Segismundo, homem íntegro que tenta entender o porquê da violência contra a sua pessoa.

Tempos de Paz parece abraçar as origens teatrais do material encenado, tentativa de o cinema honrar o palco, e isso inclui até mesmo a buzina do navio ouvida de tempos em tempos, com a identidade sonora de que estaria sendo operada por algum contra-regra.

O texto parece achatado, no sentido de que tudo o que é dito parece se bastar, sem entrelinhas ou dubiedades, levando progressivamente a momentos de dramaticidade que chamam sempre um virtuosismo terrivelmente piegas. Talvez seja o segredo da narrativa popularesca, uma situação sem nuances que levará a uma explosão de emoção encenada e pontuada.

O personagem Segismundo, um ignorante com passado sofrido, burocrata infernal e capacho sem escrúpulos, irá se curvar diante do poder da arte de um homem puro. Vale observar que, por outro lado, o artificialismo constante é finalmente assumido com alguma delicadeza.

Stulbach parece destacar-se com a alegria evidente de quem adora seu personagem. Ele e Ramos dividem o espaço cênico como num espetáculo popular encenado sexta à noite, com casa lotada. Poderá ser um sucesso para o nicho inexistente no Brasil de filmes pequenos com pretensões populares.

PS: Stulbach, durante a projeção, me lembrou não apenas do Tom Hanks, mas do Hanks de O Terminal, de Spielberg, preso numa situação semelhante, e pintado com tintas mesmas, a do bom homem que conquista a burocracia.

Filme visto no Box Cinemas, Recife, Agosto 2009

6 comments:

Anonymous said...

Obrigado por contar o fim do filme.

CinemaScópio said...

Caro Anonymous, não há de quê.

BillyBob said...

Mas o Stulbach não é o Tom Hanks?

CinemaScópio said...

Entendi.

Anonymous said...

Ai, que texto ruim. Sem agradecimentos, please.

Ademilton said...

Tive a sensação de assistir a uma peça no teatro e... gostei!
Produto híbrido, pouco representativo de um cinema o qual o Brasil procura.
Compro sem medo a análise do blog, perfeita, para mim.