Saturday, March 6, 2010

Kathryn Bigelow


Kathryn Bigelow, 59 anos de idade. Autora de cinema.


Trailer de 'Near Dark' (1987), para mim o melhor filme de Bigelow, e um dos grandes filmes de vampiro.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Alguns desavisados podem se perguntar “Quem é Kathryn Bigelow?” Ela está cotada para ganhar o primeiro Oscar da história para uma cineasta mulher, categoria Direção. São 82 anos de premiação, e isso nunca ocorreu.

Essa californiana de 59 anos (é consenso de que parece estar no início dos seus 40) tem uma trajetória muito interessante no cinema, respeitada pela crítica e cinéfilos mais sérios como verdadeira autora. Atua, em grande parte, no cinema de gênero, e que chega à real possibilidade de um reconhecimento oficial com Guerra Ao Terror, crônica de tons realistas sobre os EUA na Guerra do Iraque.

Ela nunca fez filmes edificantes, dramas sentimentais, nunca esteve à frente de produtos fáceis como forma de conquistar respeito e prestígio. O que mais chama a atenção no cinema de Bigelow é a força e a agressividade das suas imagens, e a ausência dessa coisa que atende pelo termo com som de castigo, o “olhar feminino”.

Nos filmes de Bigelow, idéias pré-concebidas de ‘feminilidade’ devem ser ejetadas imediatamente. Esqueçam romance, sensibilidades delicadas à flor da pele e todos os clichês de um possível cinema menstruado normalmente associado automaticamente ao “olhar da fêmea”, seja lá o que isso venha significar.

Os filmes de Kathryn Bigelow são normalmente descritos como violentos, musculares, dotados de uma energia impressionante e, quase sempre, masculinos. Podem ser grosseiramente colocados em escaninhos de gêneros específicos (ação, horror, ficção científica). Em grande parte, cada um deles destaca-se individualmente pela bruta força com a qual se movimentam.

Ela estreou no cinema junto com o ator Willem Dafoe em 1982, com The Loveless, que pode ser descrito como “filme de motociclista” no estilo de O Selvagem, com Marlon Brando. O aspecto masculino e duro já estava lá, sugerindo traço que pode ser um problema no seu cinema, uma aparente despreocupação com a narrativa enxuta, compensando ao sempre abrir espaço para a energia da sua câmera.

Em 1987, ela fez um dos seus melhores trabalhos (e meu filme preferido da sua obra), o incrível “filme de vampiro” Quando Chega a Escuridão (Near Dark), filmado como um western moderno perfeitamente sangrento. Das revisões modernas do gênero vampiro, Near Dark é a que vai mais longe em termos de expandir a ética desse gênero, algo só igualado, de certa forma, ano passado com o sueco Deixa Ela Entrar. De qualquer forma, o tom de bangue bangue trazido por Bigelow, na paisagem americana e a forma como o sangue é usado na tela fazem desse uma jóia real.

Nos anos 90, Bigelow dirigiu um drama policial com o único personagem central feminino da sua filmografia, em Jogo Perverso (Blue Steel, 1990), onde Jamie Lee Curtis interpreta uma policial brutalizada pela profissão e perseguida por um psicopata. A violência do filme (em partes, achatando a credibilidade da narrativa) chamou tanta atenção quanto a energia impressa em cada imagem do seu filme seguinte, o projeto de ação, feito para um grande estúdio (Fox) Caçadores de Emoção (Point Break, 1991).



Eu lembro que vi Point Break no cinema em 1991 e fiquei, clichê dos clichês, estatelado na poltrona. Me pareceu um dos primeiros filmes que mostraram reais possibilidades de se passar por cima da magrela historinha que o levou a ser feito como um trator fora de controle, fruto de um(a) cineasta que, de alguma forma, seria cria verdadeira de Sam Peckinpah.

O tom (e ponto de venda) de Point Break é o de um “esporte radical” nessa trama sobre uma gangue de surfistas liderada por Patrick Swayze (falecido recentemente) que rouba bancos, infiltrada por um agente do FBI (Keanu Reeves). É uma das principais evidências de que Bigelow sabe filmar, seu estilo superando um projeto que seria nada mais do que rotineiro em outras mãos. Ainda hoje lembro de um pé sendo desintegrado por um tiro de 12 e, ainda sobre pés, uma perseguição a pé filmada na mão, estética que só tornou-se corrente via trilogia Bourne e Paul Greengrass, há alguns anos.

Nessa época, Bigelow era a companheira de James Cameron, seu Exterminador do Futuro 2 lançado nos cinemas e concorrente direto nas bilheterias de Point Break. Os dois desenvolveram Estranhos Prazeres (Strange Days), produção da Lightstorm Entertainment, de Cameron.



Strange Days, no geral, é uma zorra, mas uma zorra composta por momentos brilhantes, o que, no final das contas, gera ainda um filmaço. Bigelow atualizou em termos técnicos o plano sequência subjetivo de Carpenter, em Halloween, para ilustrar sensações gravadas em disco rígido por um aparelho que permite ao usuário registrar sua adrenalina via ação, violência e sexo.

Brainstorm (1983), de Douglas Trumbull, havia feito algo do tipo, mas Bigelow deu sua conhecida energia ao conceito. O filme também tem uma das mixagens mais agressivas que eu já ouvi, usando as novas, na época, possibilidades do recém lançado Dolby Digital 5.1 como instrumento de experimentação, em grande estilo.

Strange Days guarda semelhanças claras com idéias e climas observados em Avatar, uma curiosidade se pensarmos que o filho de Cameron e Bigelow gerou o novo filhote de Cameron, disputando com a nova cria de Bigelow, Guerra ao Terror, filme que usa com grande efeito o ponto subjetivo de uma câmera trôpega. Roteirizado e produzido por Cameron, esse filme, como os outros filmes de Bigelow, nunca chegou a ser um sucesso comercial.

Depois do pouco visto The Weight of Water (2000, eu não vi), Bigelow voltou a flertar com os grandes estúdios em 2002, com Harrison Ford no drama claustrofóbico K-9 – The Widowmaker, sobre um incidente num submarino russo, outro filme que, comercialmente não decolou, e que revela-se, para mim, seu filme mais fraco. Ford como comandante russo numa drama PG-13 ainda gera algum interesse, mas passa como um projeto feito sob contrato.

Seu sucesso com Guerra ao Terror tem o tom de uma redenção hollywoodiana. Seu filme anterior, Mission Zero, com Uma Thurman, parece ter sido enterrado comercialmente, sem um lançamento nos cinemas americanos. Sua indicação ao Oscar sugere a renovação de uma cineasta cujo nome parece rimar com energia e firmeza. Não necessariamente a energia e a firmeza de um homem, se considerarmos a forma como sua obra é preconceituosamente descrita como "masculina", mas a energia e a firmeza de uma mulher.

Vale ainda fazer uma última associação, já entrando no pantanoso terreno de tentativas de enxergar os lados pessoais de cineastas e suas obras. O cinema de Cameron nos oferece janela perfeita para entender sua associação com Bigelow, certamente profissional, talvez pessoal.

Suas heroínas - Sarah Connor, Ripley, a cientista de O Segrdo do Abismo, Jamie Lee Curtis em True Lies, a sinházinha de Titanic e a azulzinha de Avatar - são todas fortes, distantes léguas do padrão machista onde a mulher é aquela que será salva pelo homem, gritando aterrorizada para tentar espantar o terror e o medo. De alguma forma, é essa a imagem de força que tenho de Bigelow através dos seus filmes.



PS: Mission Zero é um curta de 8 mins, descobri agora, feito para a Pirelli, estilo promocional. É horrível.

3 comments:

Anonymous said...

Pois é...Em Point Break ela inaugurou uma cena de perseguição a pé eletrizante, um modelo que foi muito utlilizado depois, inclusive recentemente.

Quando chega a escuridão" e "Point Break" são os meus preferidos dela. filmaços de ação, que mereciam uma remasterização para deixa-los novinho em folha!! Em geral gosto de seus filmes, nenhum que eu não recomendaria.

Finalmente o nome dessa talentosa diretora aparece com mais força.

Alessandro.

CinemaScópio said...

Na época de Point Break no Brasil, o sistema de classificação estava em algum tipo de crise, tvz ressaca pós-abolição da censura em 1988. O filme saiu com LIVRE no Brasil, e na sessão em que vi o filme, uma mãe retirou seus filhos pequenos às pressas na cena em que o pé é destroçado por um tiro de 12. Tipo de pequeno incidente sem gd importância na experiência de ir ao cinema que eu não esqueço. Oh well.

Fábio Henrique Carmo said...

Alessandro,

Já existe versão de "Point Break" em Blu-Ray.