Saturday, March 6, 2010

Oscar 2010


O "ângulo" escolhido pela imprensa esse ano é o embate de dois ex-amantes, Cameron e Bigelow, que fizeram filmes aparentemente diferentes, mas, na verdade, muito semelhantes.

Mas meu palpite doido é Oscar para esse aqui (amarrado, de macacão), Quentin Tarantino.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A tradicional entrega do Oscar acontece domingo, em Los Angeles, com uma mudança de maquiagem que estimula lucros maiores para toda a indústria americana de cine. A 82a edição propõe, pela primeira vez, uma expansão na lista dos indicados a Melhor Filme. Se antes eram cinco, a partir desse ano são dez títulos que se beneficiaram de enorme publicidade nas últimas semanas. Curiosamente, a imprensa destaca dois deles, cada um com nove indicações: Avatar, de James Cameron, e Guerra ao Terror, de Kathryn Bigelow.

Com o aumento de filmes indicados, percebe-se já um sistema de retribuições para títulos lançados durante o ano e que não têm grandes chances de efetivamente ganhar a estatueta. A academia adora o sucesso popular, o que explica a presença de Um Sonho Possível, com Sandra Bullock, na lista dos dez mais. Essa comedia sobre futebol americano foi um sucesso fenomenal nos EUA e tem no currículo essa indicação como medalha ao mérito.

Up – Altas Aventuras, animação da Pixar, representa o que há de melhor no gênero em 2009 na categoria Melhor Filme. É o real favorito na categoria específica Animação, onde também concorre.

Quatro filmes tidos como pequenos também ganham destaque no listão: A esperta ficção científica Distrito 9, de Neill Blomkamp, representa o cinema fantástico com pistolão de Peter Jackson (produtor), ganhador de duas dezenas de Oscars pela trilogia O Senhor dos Anéis. Especula-se que o gênero ficção científica só teria uma vaga nos dez mais, e que Distrito 9 teria pego a que seria de Jornada nas Estrelas, elogiado sucesso comercial da Paramount.

Amor Sem Escalas, de Jason Reitman, é aquele meio termo hollywoodiano, sugerindo alguma inteligência mas que, no final das contas, é mais do mesmo. Preciosa, de Lee Daniels, é o mensageiro do drama intimista feito por realizador e atores negros. Educação, de Lone Scherfig, marca a presença do cinema inglês, freguês anual do Oscar.

Um Homem Sério, dos Irmãos Coen, dos autores já oscarizados (Fargo, Onde os Fracos Não Têm Vez), tem forte sabor judaico. É um filme pessoal e incômodo ambientado numa comunidade classe média dos anos 60, sobre pai de família que passa por um incrível inferno astral.

O teor judaico é uma peculiaridade sempre comentada em relação aos gostos da Academia e não deve ser menosprezada no brilhante Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino, clara anomalia na lista dos dez mais.

Essa revisão do filme de guerra sobre soldados judeus caçando nazistas na França ocupada foi descrita no último Festival de Cannes por Eli Roth (que é judeu), um dos seus atores, como “um filme pornô kosher”. Tarantino recebeu oito indicações ao todo, sempre criando nos seus próprios termos, e reescrevendo a história através da força narrativa do cinema. Não nos espantaria se Tarantino saísse vitorioso no que seria, para a indústria, uma surpresa, seja em filme, diretor e, especialmente, roteiro.

INCENTIVO - A distribuição farta de indicações para Melhor Filme tem um pensamento comercial bruto por trás. Tudo o que o Oscar põe o dedo fica mais rico, e indicar mais cinco filmes duplica o grau de atenção e as possibilidades de identificação do grande público com os produtos.

Em termos comparativos, filmes tidos como “pequenos” dominaram a categoria principal no ano passado (Quem Quer ser um Milionário, O Leitor, O Curioso Caso de Benjamin Button, Frost/Nixon, Milk), suas arrecadações somando não mais do que 227 milhões de dólares.

Esse ano, só Avatar já passou de 700 milhões nos EUA, e ainda há outros nove filmes para incentivar não apenas as bilheterias, mas a audiência da transmissão ao vivo de hoje à noite. Se o filme é conhecido, o drama transmitido em tempo real de quem ganha ou perde o quê também fica mais atraente.

AMANTES - E dramas do Oscar são uma constante, cortesia da imprensa do cinema. Tiques típicos do jornalismo cinematográfico tentam encontrar um ângulo humano para a disputa, uma tensão emotiva.

O recorte Cameron & Bigelow vem claramente do fato de já terem sido casados. São ex-amantes na disputa pelo maior prêmio do cinema, ele com o filme mais caro da história (Avatar teria custado cerca de 450 milhões de dólares), ela com uma produção pequena, independente, feita com câmera na mão.

Já foi relatado que foi ele quem sugeriu que ela fizesse o filme. No Globo de Ouro, ao ganhar o seu, ele disse “achei que Kathryn ganharia”. Nos prêmios do Sindicato de Diretores (Director’s Guild), foi ela quem ganhou, e não Cameron. Tudo indica que Bigelow levará a estaueta para casa, marcando o primeiro Oscar da história entregue a uma cineasta.

Avatar e Guerra ao Terror são também relativamente semelhantes nas suas óbvias diferenças cosméticas. Enfocam o poderio militar americano atuando em terras estrangeiras. No filme de Cameron, ambientado no planeta fictício de Pandora, onde os nativos futuristas são azuis, há uma tentativa de politizar a presença americana em culturas distantes com o mito do bom selvagem.

Já Guerra ao Terror parece passar bem longe de qualquer traço explícito de política. Sem a camuflagem da ficção científica, o filme de Bigelow, ambientado no Iraque da presente década, está perto demais da realidade americana atual para arriscar a defesa de um ponto de vista.

Isso dá ao filme a sensação de estarmos vendo uma versão pintada de realismo (a câmera é na mão e tremida) sobre um grande herói americano (Jeremy Renner, indicado a Melhor Ator), soldado especialista em desativar bombas, à frente de um pensamento interno não muito diferente de um filme como Top Gun. Tanto Avatar quanto Guerra ao Terror são filmes com grandes e destemidos heróis americanos que fazem as coisas às suas maneiras. Os disfarces podem ser modernos, mas o conceito é o de todo sempre.

Para elavar a voltagem midiática do Oscar esta semana, a Academia decidiu punir Nicholas Chartier, um dos quatro produtores de Guerra ao Terror, que fez a besteira de enviar um email clamando por votos para seu filme, “uma produção pequena”, e que não votassem “num filme de 500 milhões de dólares”.

Chartier teve seu convite para a cerimônia de hoje cancelado, e terá que vê-la em casa, pela TV. Especula-se que tipo de dano o comportamento terá na votação final, podendo ter prejudicado o filme.

Fica também a dúvida sobre Avatar, um sucesso mundial de público (ponto positivo), mas uma aventura de fantasia (negativo) que, em termos gerais, foi criticada pela reciclagem de clichês e trama. Normalmente, é o tipo de filme que ganha prêmios técnicos, e pouca coisa mais.

Nossa aposta, em qualidade e em timing, é mesmo esse autor infernal ganhador de Palma de Ouro e já oscarizado (ambos por Pulp Fiction) que é Quentin Tarantino. Há 15 anos Tarantino é admirado pela cinefilia despreocupada com questões de mercado, mas, aos poucos, deixou de ser um “cineasta independente” para virar, talvez em 2009, um cineasta influente, do primeiro time da indústria. Bastardos Inglórios talvez marque essa transição. Vejamos.

2 comments:

João Daniel Oliveira said...

Também acredito que Bastardos é o azarão a ser observado de perto, e não duvido que ganhe como Melhor Filme e,principalmente, Roteiro Original.

De Bigelow ninguém tira, ainda bem. Ficarei de olho no Twitter.Os comentários sobre o Oscar do ano passado no blog foram ótimos!

Fábio Henrique Carmo said...

Minha torcida é por "Bastardos" também. E não seria de estranhar se ele levar melhor filme. Essa é uma das categorias mais sujeitas a zebras, pois todos votam, sejam produtores, atores, roteiristas etc. Lembram do azarão "Crash"?