Friday, March 6, 2009

O Café dos Maestros


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O cinema parece ter uma fixação natural com aqueles que já foram, que hoje parecem descartados através da velhice, mas que voltam pelo menos mais uma vez para mostrar o que são. O último Rambo, com um Sylvester Stallone aos 62 anos, mostrou isso, ano passado, O Lutador, com um Mickey Rourke voltando à tona em pessoa - e via personagem - fez o mesmo tipo de coisa, e agora temos um desdobramento do tema no documentário sobre o tango, Café dos Maestros (Café de los Maestros, Argentina, 2008), filme de Miguel Kohan.

Esse registro, na verdade, não oferece nada de novo no cenário de documentários do tipo, e é muito fácil e tecnicamente correto afirmar que temos aqui mais uma mutação da fórmula bem executada em Buena Vista Social Club, de Wim Wenders, onde um grupo de músicos cubanos se reunia para um grande show com ares de ‘último’ para mostrar o que eles foram na juventude. O sucesso do filme de Wenders, na verdade, marcou o rejuvenescimento das carreiras desses músicos, na época nos seus 70 e 80 anos, e depois do filme correram o mundo, vendendo milhões de Cds e tocando ao vivo para milhares.

Essa fórmula repete-se aqui, da mesma forma que repetiu-se em O Mistério do Samba, de Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor, onde uma Marisa Monte pesquisadora reunia a velha guarda da Portela para uma orgia final de música multi-geracional. Durante a sessão desse filme argentino, bate um certo dissabor ao acompanharmos procedimentos tão demarcados.

A narrativa fragmentada nos apresenta senhores e senhoras que fatalmente irão lembrar com nostalgia do passado – “aquele tempo era tão bom”, “Buenos Aires não é mais a mesma” -, seus passados resgatados rapidamente em imagens e gravações de arquivo, os homens particularmente saudosos das mulheres que tiveram “naquela época”.

De qualquer forma, a imagem de rostos maduros sempre me chama a atenção e me enche de interesse. Mais do que adequado que na parede de um café, destaque-se a frase “Alguns Fazem Aniversário, Outros Acumulam Juventude”. Talvez por isso que o filme frustre tanto na sua incapacidade de contextualizar o tango historicamente, de nos ensinar, mesmo que superficialmente, sobre suas diferentes raízes e estilos, sem falar na tensão social e sexual que ele sempre desperou 70 ou 80 anos atrás.

O que importa é a estrutura de "reunião", e todos irão ensaiar e trabalhar juntos rumo a uma grande apresentação no Teatro Colon, função forçosamente emocionante onde um grupo de artistas outonais irão mostrar o quanto valem. Produzido por Walter Salles e Gustavo Santaolalla (que ganhou Oscar por Diários de Motocicleta, de Salles), Café dos Maestros poderia ser bem melhor, especialmente na sua recusa de efetivamente mostrar não apenas o tango musica, mas o tango em seus movimentos.

De qualquer forma, o lado sempre positivo desse tipo de projeto, por mais comercial que possa parecer, é que há sempre a oportunidade para o espectador de relaxar na poltrona e ouvir a música com todos os benefícios que o bem calibrado som digital de cinema é capaz de proporcionar, o que geralmente leva a um interessante transe.

Filme visto no Cinema da Fundação, Recife, Março 2009

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