Friday, March 6, 2009

O Menino da Porteira




por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Estamos numa semana que viu o recorde de público do período da Retomada ser quebrado com o enorme sucesso de Se Eu Fosse Você 2 (cinco milhões e trezentos mil espectadores, e subindo), de Daniel Filho, posição que pertencia a 2 Filhos de Francisco, de Breno Silveira (2005). É nesse clima festivo que vemos hoje o lançamento de mais um produto nacional de grandes pretensõe$ nas bilheterias, O Menino da Porteira (2009). Dirigido por Jeremias Moreira com realização industrial sã como veículo para o cantor Daniel, suspeita-se que o filme fique entre o Brasil litorâneo/urbano e o Brasil do interior/rural, podendo surpreender num mercado aquecido.

É uma refilmagem de O Menino da Porteira, dirigido pelo mesmo Moreira, lançado em 1976, com Sérgio Reis no papel que é agora de Daniel, um dos produtores. Os responsáveis têm falado que foi exatamente o sucesso de 2 Filhos de Francisco (também lançado pela Sony) que inspirou otimismo no novo projeto.

Ligando os pontinhos, o filme pode sair-se bem com a cama mais do que aquecida para o cinema brasileiro por Se Eu Fosse Você 2 e a presença do cantor Daniel na igualmente brejeira próxima novela das seis, Paraíso, na Globo. Além disso, o filme deverá se tornar uma opção para quem não quiser ver Watchmen nesse final de semana. Se isso vai neutralizar as sensibilidades rurais do filme, exibido para platéias urbanas de multiplex, resta esperar para ver, embora saibamos que essa estética gado é uma realidade no sul e sudeste do país.

Daniel interpreta o herói, Diogo, xerox clássico do caubói Shane, de Os Brutos Também Amam, boiadeiro com berrante, também não muito distante do vaqueiro visto em Austrália, há algumas semanas. Chegando numa região não especificada do interior do Brasil (anos 50) para entregar gado (a locação é o fotogênico interior de São Paulo, terra do astro), o estóico rapaz descobre uma comunidade oprimida por um fazendeiro (José de Abreu, divertindo-se à beça), o vilão, que administra seu monopólio. Bom saber que o principal capanga do latifundiário, primo muito distante de Lee Van Cleef, se veste todo de preto.

Diogo faz várias amizades, uma delas com Rodrigo (João Pedro Carvalho), um garoto que, fascinado pelo mundo dos vaqueiros, passa a abrir a porteira para a boiada, sempre sorridente. Ele é filho de Otacílio (Eucir de Souza), um dos muitos que têm problemas com o fazendeiro. A amizade entre nosso herói e o menino consiste de uma enorme boa vontade do garoto para com a cantoria de Daniel, numa relação que nunca ultrapassa o mero fator fofinho.

Daniel marca a sua presença com dignidade e algum desconforto em frente à câmera. Calado, engana como estóico. Na dúvida, abre um estudado sorriso ou esconde-se atrás do berrante. Até que a oscilação entre silêncio perdido e sorriso estranho o entrega. Sua principal fuga é começar a cantar, viola em punho.

Receitas de bolo para esse tipo de cinema autenticamente simplório também guiam o xamêgo entre ele e a filha do fazendeiro (Vanessa Giácomo), a cena em que vêem-se pela primeira vez mancharia a reputação de uma novela das seis, que já é o folhetim mais sem reputação da televisão.

Desdobramentos nos levam ao bangue bangue geral e total rumo ao final, com uma seqüência de estouro da boiada relativamente bem feita, e a uma virada curiosa na história que estabelece o melodrama que poderá dar respeito narrativo ao filme junto às platéias. Lágrimas são sempre benvindas, por mais mecânicas que sejam.

Me impressiona no cine brasileiro de pretensões populares (vide Daniel Filho e seu sucesso) que o produto final deva ser acima de tudo essa coisa cada vez mais genérica que é o conceito de algo "bem produzido", ou "bem acabado". O Menino da Porteira, de fato, tem imagem segura (Pedro Farkas, fotógrafo), reconstituição de época correta (Adrian Cooper) e decupagem que não sugere falta de planos.

De qualquer forma, não deixa de sugerir que essa busca por um padrão brasileiro alto não se mostra nada além do básico mínimo para o padrão internacional. Como filme e narrativa, continua almejando muito embaixo, mantendo-se rasteiro o suficiente para que qualquer vestígio de inteligência ou marca pessoal inexista no todo. Suspeita-se que se alguém, durante o processo, de produção, trouxe algum lampejo que faria a diferença, o mesmo teria sido sumariamente demitido aos gritos, sob o medo de as idéias levarem a uma perda dos milhões que exigem o simples, e só são alimentados de broa simplória. Até quando esse modelo será a norma?

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, Março 2009

1 comment:

Unknown said...

Saiu na Folha:

"Em coletiva após exibição de "O Menino da Porteira", em fevereiro, diretor e produtor foram questionados sobre o excesso de merchandising no filme --está escrito o nome de um dos patrocinadores na porteira, por exemplo.

O produtor Moracy do Val contestou: "O '2001' também está cheio de merchandising", sem explicar quais produtos Stanley Kubrick propagandeia em seu clássico de 1968. O produtor foi aplaudido por jornalistas na plateia."

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u530348.shtml

Tosco.