Monday, July 20, 2009

Homem / Lua




Nasa restaurou imagens originais. http://www.nasa.gov/multimedia/hd/apollo11.html.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Historicamente, a chegada do Homem à Lua foi o resultado da Guerra Fria, onde americanos e soviéticos entraram na chamada ‘corrida espacial’ já nos anos 50. Em termos práticos, deu-se uma espécie de olimpíada da ciência entre duas escolas rivais, e os americanos, que chamavam seus homens de astronautas, ganharam a prova final, a lua, dos soviéticos, que chamavam seus heróis de cosmonautas. No entanto, foi o cinema, de certa forma, que venceu a corrida, pois em 20 de julho de 1969, 2001 – Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, já estava em cartaz em todo o mundo com praticamente um ano de vantagem.

Dar algum tipo de vitória ao cinema, considerando o incrível feito técnico e político de Washington e da agência espacial americana, a Nasa, e todo o investimento dos melhores cérebros do poderio comunista, não é exatamente um exagero. O cinema, como reflexo do mundo e do ser humano, nos oferece um universo paralelo que muito tem de verdade, especialmente no âmbito da chamada ‘ficção científica’, um termo mal tratado pela cultura pop, em geral.

A ficção científica indica, literalmente, a hipótese desenvolvida em cima de uma base factual, científica. Vale observar que muito do que se produz e que se consome no cinema é rotulado sem grandes cuidados de ‘ficção científica’ quando, na verdade, melhor seria o termo ‘fantasia’. Ou seja, 2001 – Uma Odisséia no Espaço seria ficção científica, enquanto Guerra Nas Estrelas (um exemplo fácil), uma ‘fantasia’, ou ‘fantasia espacial’.

Uma suposta vitória do filme de Stanley Kubrick, que foi lançado em abril de 1968, pode ser explicada. A lua sempre teve participações especiais nas imagens do cinema, ao longo do último século, seja pura e simplesmente pela sua carga mística e estética, ou como o satélite natural da Terra.

No primeiro caso, a lua pode ser elemento catalisador do romance, da sorte e do azar, ou da sensualidade, da fecundidade das mulheres, das próprias mulheres. São elementos usados com freqüência constante no cinema, do filme de lobisomem (Um Lobisomem Americano em Londres talvez seja o melhor) a uma cena simples onde James Stewart promete a lua a Donna Reed em A Felicidade Não se Compra.

A lua como objetivo de conquista do homem, no entanto, é algo menos freqüente, e constitui uma série de exemplos curiosos sobre como o cinema reflete as ambições do homem e de suas sociedades, algo que atingiria uma espécie de clímax com o filme de Kubrick, nos anos 60, às véspera da real conquista da lua.

É uma idéia tão presente no ser humano e no cinema que lá está ela na primeiríssima vinheta da MTV, levada ao ar em 1982, num filme recente e próximo como o pernambucano Muro (2008), de Tião, ou no cinema ancestral de Georges Méliès, que conquistou a lua já em 1902, quando fez Le Voyage Dans La Lune.

Esse filme incrível de 21 minutos (numa época em que filmes duravam não mais do que dois minutos), a nave espacial com a forma de uma bala grande é disparada de um canhão em Paris. A lua tem os traços reconhecíveis de um rosto humano que acabara de ser atingido por uma polpuda torta de marshmallow. E esse rosto leva a nave bem no olho direito, a versão de Méliès para uma hipotética aterrissagem lunar.

Na lua, existiriam habitantes, os selenitas, que nos passam a suspeita através de sua aparência de que Méliès os imaginava como nativos africanos de alguma terra distante, claro reflexo da política colonialista (e racista) dos europeus na virada do século 19 para o 20. Esses nativos lunares também têm uma particularidade: eles explodem e viram uma nuvem de fumaça quando atacados.

A base de Meliès para o filme foi os escritos de dois autores marcantes que enxergavam o jeito de como as coisas viriam a ser no futuro: o francês Jules Verne e o inglês HG Wells. Escreveram certo sobre os avanços do homem pelas linhas tortas da fantasia.

Uma outra história intrigante é a do filme alemão de ficção científica Die Frau im Mond (A Mulher na Lua, 1928), de Fritz Lang. Não é um bom Fritz Lang, mas a sua atenção para o detalhe (seu filme anterior foi o clássico Metropolis) envolvia mostrar em detalhes uma plataforma de lançamento do foguete que não apenas assustou o serviço de inteligência britânico, como levou os nazistas a destruir a maquete usada no filme.

Ou seja, um proto-caso de armas de destruição em massa que se repete na história humana. Realista demais, o filme terminou entregando segredos dos foguetes V1 e V2 que uma década depois aterrorizariam Londres nas campanhas de bombardeio pelos nazistas.

Ao longo das décadas, o cinema tentou conquistar a lua diversas vezes, mas boa parte dos resultados não é memorável. Antes de 2001, a ficção científica era popular, mas raramente levada a sério, justamente por talvez parecer fantasiosa, os efeitos especiais ainda incapazes de convencer, problema menor do que as tentativas de agradar a um público que talvez rejeitasse a realidade científica de tal empreitada.

Pouca gente deve saber da existência de Destination Moon (1950), por exemplo, produção de George Pal que, historicamente, diz pela primeira vez, e com todas as letras naquele pós guerra, que “a lua tem valor militar estratégico, e que se os EUA não chegarem lá primeiro, outros chegarão!”. São filmes que, talvez precariamente, expressaram ansiedades de suas épocas, mas que têm um valor pelo menos histórico, o que não é pouco.

No caso de 2001 – Uma Odisséia no Espaço, Stanley Kubrick adaptou a obra do inglês Arthur C. Clarke num momento absolutamente crucial. A motivação para o filme veio numa década que via a corrida espacial levar o homem, fosse ele americano ou soviético, cada vez mais longe. De uma certa forma, os desenvolvimentos reais dessa corrida alimentaram Kubrick, um pesquisador nato e um artista perfeccionista, a também ir muito longe.

Tão longe que 2001 não é, nem nunca foi, um filme sobre a conquista da lua, que na sua trama esparsa é vista como um assunto sacramentado, última parada da civilização humana em direção à descoberta de um universo infinito e misterioso.

O impacto de 2001 à época pode ser medido pela capacidade que o filme ainda tem de impressionar uma platéia em 2009, 41 anos depois. Kubrick fez seu filme passando a estranha sensação de ter entrado em órbita com atores e equipe, seus detalhes e concepção cheiram a realidade, e isso vai do silêncio do espaço às roupas de aeromoças espaciais. Mais potente ainda é a sensação trazida pelo filme de que o homem é pequeno demais perante os mistérios do universo, ignorante demais diante de civilizações maiores e melhores, e que muito ainda será explicado.

Talvez 2001 tenha contribuído para embaralhar a percepção de muita gente que viu o homem pisar na lua numa TV, ao vivo, em julho de 1969. Não são poucos os que duvidam de que tal fato realmente ocorreu, sentimento satirizado de forma inteligente num falso documentário francês de 2002 chamado Operation Lune.

O filme de 52 minutos feito para a rede franco-germânica Arte “defende” que a chegada do Homem à Lua foi uma mentira arquitetada pela CIA e dirigida por Stanley Kubrick num estúdio. A motivação por trás disso seria o medo que Richard Nixon teria, então presidente dos EUA, e em pânico com a perda do controle na Guerra do Vietnã, de a missão espacial dar errado. Com a direção de Kubrick, a conquista da lua seria um sucesso garantido.

6 comments:

Redação VIP said...

Belo post!!!!

Eu também deixei meu comentário sobre filmes que falam da lua, mas com uma "pegada" mais pop. Tem "2001", "Poucas e Boas" e "Austin Powers", entre outros...

Vale uma visita!

http://vip.abril.com.br/cinema/2009/07/lista-lua-e-o-cinema.shtml

Um abraço,
Ricardo

RENATO SILVEIRA said...

Kleber, outra bela produção - televisiva, mas com inegável veia cinematográfia - é a minissérie "Da Terra à Lua", produzida e estrelada pelo Tom Hanks. Vi na época que passou na HBO. Parece que não chegou a sair em DVD no Brasil. []s.

Pedro Tavares said...

Meliès ainda tem minha preferencia...

João Daniel said...

E vem aí o existencial "Moon", dirigido pelo filho do David Bowie, e que estão dizendo que é sensacional.

Deu vontade de rever o dvd de 2001.

CinemaScópio said...

de fato, há muita coisa, mas realmente editei ao máximo para flmes essenciais, ao meu ver. Sinto muito, no entanto, não ter incluído THE RIGHT STUFF, do Kauffman, um dos grandes filmes americanos, e um dos mais subapreciados. Não consegui encaixar, mas valia pelo menos uma citação.

Fábio Henrique Carmo said...

Tendo em vista as dificuldades que a Nasa apresenta hoje em dia para realizar uma nova expedição à Lua, afirmando que uma viagem segura só poderá ser feita 2020, chego a cogitar se não é mesmo verdade que tudo que ocorreu em 1969 não foi um filme do Kubrick. Muito irônico que hoje, com uma tecnologia muito mais avançada, tenhamos tanta dificuldade para realizar um passeio que deveria ser corriqueiro quando imaginado em 1969.