Monday, July 13, 2009

A Proposta


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Por pura ironia, um dos aspectos mais interessantes da vida – a união gradual e amorosa entre duas pessoas – tem gerado alguns dos produtos mais horrorosos do chamado entretenimento de cinema. No Brasil, a “comédia romântica imbecil” já virou uma marca e uma praga da produção nacional, tiro certo nas bilheterias com empurrão da matriz desses filmes e novelas, a Rede Globo de Televisão. Em Hollywood, as ‘romcoms’ também são garantia de sucesso, com ingredientes mecânicos notáveis aplicados a um tema humano que seria normalmente orgânico e natural. A Proposta (The Proposal, 2009) é o exemplo mais recente.

É curioso que os primeiros 20 minutos do filme sejam promissores, com uma situação moderna bem armada, revertendo papéis sexuais e revelando o tipo de hierarquia do poder tão caro aos americanos. A sempre interessante Sandra Bullock (estranho a quantidade de gente que a detesta como presença e atriz) faz uma chefona do setor editorial, na competitiva Nova York. Essa executiva é canadense.

Ela tem um secretário (‘assistente’ soa melhor e mais politicamente correto), interpretado pelo alto e relativamente cômico Ryan Reynolds, formiga trabalhadora que sonha em ter seu talento para a literatura revelado um dia. Sua penúria junto à chefe odiada e mal amada entra como investimento para o futuro.

Esse ponto de partida tem muito das comédias clássicas do passado de Hollywood, dos filmes de Spencer Tracy e Katharine Hepburn, talvez alguma coisa de Se Meu Apartamento Falasse (The Apartment, 1960), de Billy Wilder. A atualização moderna é o fato de a mulher ser a casa de força e o homem seu subalterno. Um início realmente promissor.

A coisa melhora quando a chefe canadense é informada de que problemas no seu visto de trabalho estão prestes a expulsá-la dos EUA, fazendo-a perder o emprego. Ela imediatamente arma uma chantagem para seu assistente vulnerável e forja um esquema de casamento encomendado. Se ele não cooperar, seu futuro como escritor estará arruinado. A farsa irá enganar a todos no escritório e a família do rapaz, no distante Alasca, para onde o novo casal irá no final de semana seguinte, apresentá-la.

Infelizmente, daí pra frente é ladeira abaixo, e em alta velocidade. O computador responsável pelo roteiro (porquê os melhores roteiristas dos EUA estão na televisão?) parece ter sido programado com pedaços de Entrando Numa Fria, onde os pastelões de sempre sobre a recepção da ‘noiva’ pela família dão ao filme um ar de novela em reprise.

Mais curioso ainda é a maneira como as tensões sexuais entre esses dois adultos são tratados com a sensibilidade de crianças de 12 ou 13 anos de idade, onde reina o ‘qui-qui-qui’ de ver o outro nu em algumas cenas constrangedoras não tanto pela situação, mas pela forma como são apresentadas. Se na boa TV americana, adultos se relacionam como adultos, é em Hollywood que prevalece o comportamento infantil aplicado duramente a personagens adultos.

A coisa ainda piora com a possibilidade de o rapaz reatar relações com uma namorada antiga, claramente a coisa mais sensata a se fazer, e não assumir um novo amor que surge mais como ordens do estúdio (Touchstone Pictures, da Disney) do que como algo que o espectador acredita. A Proposta é, efetivamente, recusável. Deverá ser um sucesso, claro.

Filme visto no UCI Ribeiro, Boa Viagem, Recife, Julho 2009

1 comment:

Redação VIP said...

Muito ruim, mesmo. Nem me animei a comentar no meu blog.

A propósito, sou um leitor assíduo do Cinemascópio há anos. Muito bom que você tenha retomado as atividades regulares!

Um abraço,
Ricardo Garrido
Blogie - Cinema na VIP