Friday, August 21, 2009

A Teta Assustada


Cinema mulher.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Associar o olhar de quem filma à questão do gênero é uma observação constante no cinema. É uma procura válida, considerando que os homens detém maioria esmagadora do espaço, enquanto as mulheres lutam por um lugar desde sempre. Isso leva muitos a procurar uma coisa misteriosa chamada “o olhar feminino” toda vez que uma mulher filma. No caso de A Teta Assustada (La Teta Asustada, 2009), da cineasta Claudia Llosa, a constatação é clara, num exemplo de cinema da mulher.

Mesmo que termos relacionados à percepção de gêneros (mulher, gay, macho) extrapolem a mera catalogação e análise de discurso e soem simplesmente pejorativos, obras como A Teta Assustada parecem servir de resposta para um mundo dominado por filmes de testosterona, feitos por homens e que investem na destruição. No filme de Llosa, temos um longo ato de reconstrução nos seus 95 minutos. É algo muito fêmea.

A Teta Assustada ganhou o Urso de Ouro em Berlim esse ano. Essa produção peruana, co-produzida com dinheiro espanhol, tem um certo ar de filme para exportação, muito embora os prazeres da sua beleza sejam reais e freqüentes.

A questão central é o ponto de vista feminino a partir de uma herança de violências contra o corpo da mulher. Essa brutalidade faz parte da história recente do Peru, informação liberada rápida e didaticamente. Um prólogo forte, com a tela do cinema em preto, nos passa o ódio pelo desrespeito à mulher, e estabelece a personagem central, Fausta (Magaly Solier).

Essa garota-mulher de beleza exótica e local é um daqueles rostos cartão-postal que defendem o filme a cada cena. Ela dá à obra uma certa embalagem de latinidade para exportação, acrescida de uma poesia crua normalmente associada ao realismo fantástico, outra expectativa do olhar estrangeiro sobre essa cultura.

Fausta, um bichinho do mato, trabalha como empregada doméstica para uma pianista da classe alta, em Lima. Seu tio, que a quer bem, acredita que ela é vítima da “teta assustada”, onde o leite angustiado da mãe é passado para a filha pelo peito. Fausta, de fato, nasceu em meio ao horror.

Ela precisa administrar pelo menos duas questões essenciais. A primeira, enterrar o cadáver da sua sofrida mãe, ainda guardado em casa no povoado onde vive. A segunda questão envolve seu próprio corpo, que ela parece ter blindado contra toda e qualquer possibilidade de violência por parte de homens. Não é à toa que Fausta sente-se tão desconfortável nas curiosas sequências de casamento que pontuam a narrativa. São duas idéias ricas em significados e que dão ao filme sustento dramático marcante.

É um filme de detalhes, alguns deles forçando a relação do espectador com uma série de signos. Llosa filma repetidamente um portão mecânico, por exemplo, tão típico na nossa América Latina dividida entre o lado de fora (pobreza) e o lado de dentro (riqueza). Talvez exista ainda uma leitura sexual para a relação do portão com a personagem, pois é ela quem sempre aciona o abre e fecha da barreira. Há pombas brancas em cena e batatas também, como elemento de segurança e vida que cresce morta. Mais tarde, vida que cresce viva.

As imagens fluem, as cores são fortes e Llosa filma com economia segura. Seu filme trilha a linha tênue que separa o intrigante do efeito calculado. No geral, sai ganhando a intriga da beleza de uma delicadeza inegavelmente feminina.

Filme revisto no Cinema da Fundação, Recife, Agosto 2009

1 comment:

Rodrigo Cássio said...

Olá Kleber,
Gostei do seu ponto de vista sobre o filme de Llosa. Ele ressalta a feminilidade que está em jogo, ali, junto com outros signos e chaves de leitura. Penso que é um bom filme!