Thursday, January 28, 2010

Nine



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


É sempre algo de triste arranjar o que dizer, seja verbalmente ou em escrita, sobre um filme como Nine (EUA, 2009), o musical de Rob Marshall que estréia hoje. Não é exatamente ruim, mas também não é bom, nem memorável. Há todo um esmero na tela, mas fica a sensação de desperdício.

Para conhecedores da obra de Federico Fellini, especialmente um dos seus filmes mais admirados – 8 ½ (1962) -, o filme abre possibilidades não mais do que frívolas. Da curiosidade mórbida de desvendar o que um produto hollywoodiano do século 21 estaria fazendo com tamanho clássico, à tentativa de enxergar uma homenagem emotiva ao cinema do passado, Nine termina, de fato, inspirando desagradável sensação de “e daí?

8 ½ é uma espécie de tempestade criativa sobre um artista (um cineasta) em crise com ele mesmo, com sua arte e seu mundo. A riqueza do filme vem exatamente das muitas camadas imprevisíveis dessa crise, representação de toda a carga que temos na cabeça quando a vida está confusa. 8 ½ é um filme essencial, sua liberdade interna inspiradora de uma centena de outros filmes desde então.

Em Nine (o número nove em inglês), temos Guido (Daniel Day Lewis, sempre com força), um artista (um cineasta) em crise com ele mesmo. Os limites do filme vêm exatamente da pobreza de espírito da proposta, pois o problema do personagem casado parece resumir-se à sua natureza namoradeira. Não é difícil puxar o cordão e ver que a ponta vai dar no conservadorismo do olhar americano.

Uma outra coisa: o fato de Guido não ter mais nada a dizer como artista permanece apenas uma afirmação vaga, uma linha solta na sinopse.

É um filme americano atual que dá-se o luxo de ter um herói adúltero que fuma muito, e logo suspeitamos que isso só é possível pelo fato de homens italianos terem licença cultural (o clichê) permanente para esse tipo de coisa, e que os cigarros em cena são coisa de europeu. O filme, aliás, foi lançado no mesmo mês de Avatar nos EUA, que gerou celeuma pelo simples fato de a personagem de Sigourney Weaver fumar em cena.

Marshall havia mostrado em Chicago (2002), seu musical anterior (também bancado pelo bom gosto berrante dos irmãos Weinstein), que seus números de dança e cantoria surgem mesmo é na sala de montagem, e não como os grandes clássicos nos mostravam: no estúdio, na frente da câmera, em ângulos abertos, generosos, capazes de deixar o espectador boquiaberto com o balé de corpos soltos.

Talvez o fato de Nine contar com uma coleção formidável de puros sangues femininos para garantir o glamour proposto explique isso. Não é fácil encontrar atrizes classe A hoje que se movimentam como Leslie Caron, Cyd Charisse ou Ginger Rogers se movimentavam no passado. Vejam como em Chicago e em Nine a montagem ajuda bastante a idéia de movimentação. Uma perna grossa levantada aqui, uma rodopiada ali, e o espectador é enganado via cortes e ângulos favoráveis. Muito frustrante para quem conhece o gênero musical.

De qualquer forma, estão lá Kate Hudson, Nicole Kidman, Penélope Cruz, Marion Cotillard e Sophia Loren, com auxílio luxuoso de Judi Dench. É quase sempre interessante anotar suas presenças glamourosas durante o filme, o que nos leva a crer que os Irmãos Weinstein representam uma das últimas centelhas de um modelo de produção que lembra o "studio system" do passado. Investem na realeza tradicional da imagem com um cinema de mercado à moda antiga. Filmaram inclusive nos míticos estúdios romanos da Cinecitta, onde Fellini filmou.

Sobre as mulheres de Nine, vale destacar que Cotillard é a esposa sofrida de Guido, e essa atriz francesa sempre ameaça roubar a atenção dos filmes onde atua. Kidman e Cruz interpretam amantes que representam culturas distintas, ou clichês físico-raciais (Kidman a estrela fria, Cruz a amante latina de sangue quente). Registram como meras caricaturas.

A personagem de Hudson, no entanto, repórter da revista americana Vogue, parece definir Nine como um todo. Linda, toda bem vestida e totalmente oca, aparece à frente de um número musical (picotado) chamado Cinema Italiano. Ela nos dá a chave para o clima geral de ensaio fotográfico de moda retrô que permeia a sessão.

Filme visto na Sala 8 UCI Boa Viagem, Recife, Janeiro 2010

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