por Kleber Mendonça Filho
Na tradição das histórias de trancoso, onde o realismo da vida diária se transforma no fantástico, temos A Caixa (The Box, EUA, 2009). Esse filme atinge graus de muito interesse antes de finalmente deixar um gosto forte de insatisfação no espectador, algo que parece ser a marca do seu diretor, o americano Richard Kelly. No seu lançamento nos EUA ano passado, A Caixa pareceu lembrar muita gente dos antigos episódios de Além da Imaginação (The Twilight Zone), de Rod Serling. Essa história foi, inclusive, escrita por um colaborador da clássica série de TV, Richard Matheson (também autor de Eu Sou a Lenda).
O ponto de partida é corretamente clássico e intrigante. Em 1976, um casal classe alta (James Marsden e Cameron Diaz), ele funcionário da Nasa, ela professora, recebem a visita de um homem (Frank Langella) que sai do já obrigatório carro preto. Na verdade, o filme toma bem o seu próprio tempo para estabelecer o mistério, um deleite total desde o início.
Como um vendedor, ele traz uma caixa com um botão vermelho protegido por uma redoma de vidro. Lembra uma reprodução portátil do temido botão do apocalipse na Guerra Fria. Há a informação de que a família poderá ganhar um milhão de dólares (sem imposto) caso decidam apertar o botão. O detalhe é que, fazendo isso, alguém, em algum lugar, irá morrer naquele mesmo instante como resultado direto da ação.
Procurem não saber mais nada sobre o filme, até pelo fato de o que se segue ser indescritível. Kelly surgiu como um herdeiro fedelho de David Lynch, e a sensação persiste positiva e negativamente. Estreou com o cultuado Donnie Darko (2001), história sobre um adolescente marcada por uma certa angústia, mas também por buracos no tempo e no espaço, realismo e sonho.
Seu segundo filme, o bagunçado Southland Tales (2006), tem poucos defensores. Fez um filme gigantesco que não parece fazer muito sentido, exceto pela ousadia de gastar um caminhão de dinheiro e o interesse de alguns dos seus momentos.
Em The Box, Kelly trabalha pela primeira vez com um estúdio (Warner) e parece ter tido carta branca para trazer toque autoral, com tudo o que esse toque tem de bom e de ruim, incluindo mais buracos no tempo e no espaço. Isso significa que algum personagem irá entrar em algum lugar e sair a quilômetros de distancia num flash de luz e água.
A primeira hora do filme é muito boa. Kelly não trabalha apenas com essa trama fantástica e suas repercussões, mas usa com grande efeito o clima da época, filmado com requintes prazerosos de produção. A casa da família com sua decoração anos 70 berrante, uma visita à Nasa em plano seqüência, os carros e roupas conspiram para uma atmosfera imaginada de tempo e espaço – os EUA da Guerra Fria – sublinhadas por estranhas notícias espaciais.
Depois de mais ou menos uma hora, o espectador pode começar a fazer caretas e exclamar mudos “??!!”, e suspeitamos que Kelly não quer que seu filme seja divertido, mas apenas estranho, desconexo e emperrado. Há ainda um tom de seriedade que não lhe faz muito bem. Assistimos a desdobramentos que carecem de envolvimento, enquanto A Caixa enforca-se com sua própria corda.
Chama a atenção a escolha de elenco. Diaz parece engolir Lewis, ator com cara de garoto de 17 anos, jogador de futebol americano, embora o roteiro de Kelly abra espaço para cenas inusitadas que constroem o casal, não obstante a discrepância entre os dois atores. Momentos como o que ele constrói uma prótese ortopédica para a esposa são o tipo de curiosidade que Richard Kelly injeta nos seus filmes, mesmo que o todo deixe essa sensação geral de insatisfação e oportunidades perdidas.
Filme visto em Bluray, Fevereiro 2010, Recife
4 comments:
Kleber, houve uma confusão no texto com o ator James Marsden, que está sendo chamado de Arthur, o nome do personagem. Concordo que Diaz está bem melhor, mas não acho que Marsden comprometa. Aliás, achei o filme ótimo, é curioso como Kelly consegue fazer uma mistureba de elementos soando pessoal e coerente.
Obrigado Moisés, corrigido.
eu vi esse episódio de além da imaginação ou o que o valha! preto e branco... ou será a minha imaginação.
Kleber, eu vi esse episódio na TV (Alem da Imaginação) mas não faço idéia de como ele pode ser esticado para fazer um longa... Vou conferir no cinema...
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