Thursday, April 1, 2010

Chico Xavier - O Filme


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Antigamente, a semana santa oferecia boas oportunidades de lucro para os cinemas, que colocavam em cartaz dramas bíblicos como Ben Hur e Os Dez Mandamentos, ou paixões de Cristo já bem riscadas e em preto e branco. Os costumes mudaram e as salas hoje ignoram a páscoa, exceto por fenômenos isolados como A Paixão de Cristo (2004) de Mel Gibson, que resgatou a sensação de cinemas terem seus dias de igreja. Esse ano, o brasileiro Chico Xavier, filme de Daniel Filho, investe na semana santa como estratégia de negócio, no país espiritualizado que é o Brasil. O filme estréia amanhã em 350 cinemas.

Há um mês, um funcionário do multiplex UCI/Ribeiro Plaza Casa Forte já mostrava-se impressionado com a procura pelos ingressos, rivalizando Harry Potters e Twilights. Deverá ser um sucesso de público, do mesmo diretor que parece investir no populismo como pesquisa estética, vindo dos sucessos recentes Se Eu Fosse Você, vistos por cerca de dez milhões de brasileiros.

Em Chico Xavier – O Filme, Daniel Filho aborda o médium mineiro que faleceu aos 92 anos em 2002. Sua trajetória de ligação divulgada entre o mundo terreno e o espiritual atraía o interesse de crentes e ateus pelo fato de assumir para si um mistério da natureza humana, o de saber o que se encontra depois da morte, incluindo o contato com os mortos.

Talvez seja um prato cheio para os produtores de um filme que poderá beneficiar-se de um público muito pouco cartesiano como o brasileiro, fruto de inúmeras misturas de fé, e cujo resultado é mais precisamente próximo do “espiritual”, sem que isso defina exatamente uma igreja, ou uma franquia religiosa.

O populismo do cinema de Daniel Filho não deixa de ser fascinante. Ele investe no acabamento (o filme é tecnicamente bem feito) e no desejo constante de agradar o espectador que crê. Nesse sentido, seu filme cai mesmo como uma luva no mercado da semana santa, resgatando o tom de catecismo filmado (ou espiritualismo comercial projetado) dos clássicos bíblicos de páscoas passadas.

Não há dúvidas ou questionamentos, e mais uma vez chega a sensação de que o cinema brasileiro de mercado tem essa preferência nacional pelos “grandes temas” abordados com pinceladas gigantes e desengonçadas que passam por cima de detalhes como sutileza e intimismo.

De fato, Chico Xavier – O Filme parece ter saído da mesma máquina de cinema modesto que cuspiu produtos recentes como Lula – O Filho do Brasil, de Fábio Barreto, ou Salve Geral!, de Sergio Rezende. São filmes que parecem achatar as histórias e personagens reais nos quais se baseiam para que caibam nas caixas apertadas da superficialidade narrativa.

Ostentando a realidade de personagens verídicos como medalha, os resultados são geralmente folhetinescos, e mais uma vez fica a sensação de estarmos diante de uma novela pobre de idéias, mas rica em mediocridade, como se acreditasse que seu público não seria capaz de entender algo mais interessante. Já nos letreiros fantasmagóricos de Scooby Doo na abertura, o filme parece nos lembrar que fantasmas são o mote.

Sobre TV, aliás, Daniel Filho arma seu filme, não por coincidência, ao redor de um programa televisivo, Pinga Fogo, onde Xavier (Nelson Xavier) é sabatinado por entrevistadores. Zooms na imagem eletrônica do vídeo nos levam aos esperados flashbacks do Chico criança, rapaz, homem e senhor. Sua entidade maior, Emanuel, também é vista vestindo uma toga.

Dos primeiros contatos com os desencarnados à sua fama regional e nacional de elo entre os dois planos, ficamos sabendo como surgiu a estranha peruca que marcou a imagem de Xavier à sua trajetória de crenças e descrenças, onde os céticos são: a) vilanescos ou b) no caso do personagem de Tony Ramos, transformados em fieis que se entregam às evidências, outra afinidade com o cinema comercial religioso. De Ben Hur a Samsão e Dalila, alguém verá forçosamente a luz antes do fim da sessão.

Ramos e Cristiane Torloni, aliás, parecem ter sido escritos para representar o espectador médio, talvez o casal que for pagar para ver o filme num multiplex. Pais em luto, ela crê, ele não, e a atuação de Ramos soa como a leitura de um telegrama, e nao de algo que teria sido psicografado.

Curioso ver que os melhores momentos do filme são no estúdio de TV, onde Daniel Filho de fato parece mostrar intimidade com o material. Das câmeras RCA de época trocando lentes, às direções de estúdio e planos da platéia e entrevistadores, o filme flui, como se estivesse em casa. É a fé televisionada para as massas, mas exibida nos cinemas. Amém.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, Março 2010

9 comments:

Fábio Henrique Carmo said...

Kléber, a data escolhida não se deve ao fato de ser semana santa (ou pelo menos não apenas a isso), mas sim porque neste dia 02 de abril Chico Xavier estaria completando 100 anos.

CinemaScópio said...

yeah, bela data.

Gustavo said...
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Gustavo said...

O fato, por si só, de um filme ter uma linguagem acessível às massas é um defeito cinematográfico? Não sei se é isso que vc pensa, mas para mim foi isso que vc passou. Qual o sentido em se fazer um filme com uma linguagem tão difícil que somente poucos "intelectuais" são capazes de "compreender"? Chico, seja ele fraude ou não, santo ou pecador, foi admirado pelas massas. Fazer um filme sobre ele de outro modo, isso sim seria um erro.

CinemaScópio said...

Esse é um dos grandes bugalhos da compreensão de cinema no Brasil, entre os que fazem e os que assistem. Confundir popularidade com falta de qualidade, autoralidade com "intelectualidade" (com aspas mesmo). A coisa complica quando nosso cinema produz porcarias populares, muitas, uma atrás da outra. Ajuda a confundir mais ainda. Eu sou fascinado por grandes filmes que também são populares. Esse aqui, creio, é apenas um bem sucedido projeto de marketing.

CinemaScópio said...

600 mil espectadores. Eu não falei?

Anderson said...

Não concordo com a questão "vilanesca". O fato de ter sido um ateu que passou a acreditar na psicografia não significa que foi forçar a barra. Até porque isso foi um fato real e que foi alvo de matéria jornalística. E mais, em nenhum momento ele disse ter aceitado o espiritismo. O filme terminou e ele permaneceu ateu. Mostrou sim, a que ponto um pai se esforça quando o assunto diz respeito a seu filho. Qualquer pai tentaria de tudo pela paz de sua semente.

CinemaScópio said...

Os jornalistas são vilanescos.
Personagem de Tony Ramos baixa a cabeça para CX e sua história.

Anonymous said...

"Baixar a cabeça" a Chico Xavier e sua estória implica em vilanice?
Note que o jornalista "ateu" foi ao tribunal como pai.
Vilanice é não respeitar as experiências de vida alheias.