por Kleber Mendonça Filho
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Conheça um personagem pelo quão bem organizadas são suas gavetas. À certa altura de Direito de Amar (A Single Man, EUA, 2009), filme de Tom Ford, o elegante George abre uma de suas gavetas impecáveis na sua casa podre de chic e impressiona como a caixa de Band Aid combina com o em torno, não só na coordenação de cores, mas também em arrumação. Essa história frufru de amor e perda nos chama para desfrutar de suas paixões materiais e emotivas, com ênfase no material.
Filmes são como casas, e o simples fato de vê-los significa entrar na residência do diretor. Ford, profissional reconhecidíssimo do ramo da moda, nos mostra a sua visão de mundo. Aparentemente, é um romântico muito elegante, mas carregado dos trejeitos irritantes que aprendemos a associar ao mundo espetacularmente vazio dos fashionistas.
Ford, através do seu filme, parece procurar amparo para as agruras do mundo na beleza, e isso não seria uma coisa ruim, ao contrário. No entanto, o tratamento do todo sugere algo de negativo pelo fato de a beleza que parece encantar Ford é aquela realçada por assessórios, pelo artifício, e não pelo valor humano, pelas coisas que, quem sabe, deveriam ser realmente importantes na vida.
O personagem principal é George (Colin Firth, ator britânico de interesse), um professor de literatura inglesa na Los Angeles de 1962. Ele acaba de perder seu companheiro super model (na verdade, era arquiteto) num acidente. Seu luto parece combinar perfeitamente com o esquema de cores que o cerca, seja na decoração, nas roupas ou até mesmo na correção de imagem do filme em si. É como se Ford tivesse exacerbado uma aula passada de expressionismo.
O parafuso emocional de George ganha tons sublinhados de montagem, câmera e som, e Ford nos faz enxergar sua idéia pessoal de beleza através do seu triste personagem principal. Ele é bem mais blasé com sua amiga do peito (Julianne Moore), que é real, do que com seus encontros momentâneos com representantes de uma idéia comercial de beleza.
A imagem de uma bela garotinha de vestidinho rodado, cuja câmera a filma de baixo para cima, nos leva a um rosto que deve ter levado quatro horas para maquiar. No escritório da universidade, a secretaria impecável e espetacularmente bela chama a atenção de George não por sua personalidade engraçada, livre ou forte, mas pelos maravilhosos adereços de roupa, cabelo, perfume e maquiagem que resultam num lindo piteuzinho fashion.
E assim vai o filme, com um senso estético paralisante, mas com uma sensação de luto narrada em primeira pessoa não tão distante assim da saudade contida em Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo, o ensaio de Marcelo Gomes e Karim Ainouz que não poderia ser mais distinto na construção de imagens.
Resta um filme imprensado entre dores de amor e a dúvida cruel do que vestir, e se a escolha irá cair bem com o papel de parede. Que chic.
Filme visto no Cinema da Fundação, Recife, Março 2010
1 comment:
A Single Man, em muitos momentos, fica no limite de ser muito brega, ne? Mas, confesso que, pra mim, surpreendeu com lampejos de sagacidade e beleza, em muitas cenas que poderiam ser redundantes. E até chega a ser em alguns momentos.
Difícil pra mim foi aguentar aquela saturada nas cores sempre que o coração do Colin Firth sente o flerte de um homem bonito. Mais triste que toda a tristeza do filme!
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