Sunday, May 23, 2010

Cannes


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O júri presidido pelo diretor americano Tim Burton fez um trabalho interessantíssimo de destacar com a Palma de Ouro um dos cineastas mais originais da última década, o tailandês Apichatpong Weerasethakul, que Cannes já vinha mapeando desde seu filme Tropical Malady (Mal dos Trópicos), prêmio do júri presidido por Quentin Tarantino em 2005. Essa Palma irá permitir que um público bem maior veja Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives (Tio Bunmee Que é Capaz de Lembrar de Suas Vidas Passadas), filme digno de toda a atenção, e que, esperamos, tenha distribuição nos cinemas do mundo.

A deixa para Uncle Boonmee chegar ao público é importante porque, até agora, os distribuidores brasileiros não compraram nenhum filme de Weerasethakul, provocando um fenômeno curioso.

Cinéfilos sérios mais jovens conhecem os filmes desse autor apenas via downloads na internet, um grupo menor tendo visto exibições especiais em mostras e festivais no país. A grande maioria não parece saber da sua existência. Para os novatos, há a piada já bastante velha a ser descoberta de que o apelido de é ‘Joe’.

Na coletiva de imprensa realizada imediatamente apos a cerimônia de entrega dos prêmios, ontem, no Palais des Festivals, Tim Burton admitiu que ele mesmo não conhecia o trabalho de Weerasethakul, mas definiu sua relação com o filme muito bem, algo compartilhado por muitos em Cannes.

“O mundo está cada vez menor com o cinema de Hollywood, onde os filmes se parecem com tantos outros, e vi nesse olhar algo que eu nunca tinha visto antes. O filme tem uma idéia maravilhosa de eternidade, pessoas que não têm forma e onde o tempo se expande”. Falou bem Burton, que tem um jeito relaxado e nem um pouco pretensioso no seu falar inconfundivelmente americano.

O Grand Prix, efetivamente o segundo lugar, foi para o muito bom filme francês Des Hommes et des Dieux (Dos Homens e de Deus), de Xavier Beauvois, relato seguro e honestamente tocante sobre um grupo de monges franceses vitimados por extremistas. O filme representa o cinema francês clássico e deverá ter boas pernas ao longo do ano de cinema que começa agora, pós Cannes.

Os outros prêmios também mantiveram o nível. Juliette Binoche, cujo rosto foi a própria marca do festival esse ano, nos cartazes e materiais gráficos, ganhou pela sua participação adorável em Copie Conforme, de Abbas Kiarostami, um bate bola conjugal de inegável delicadeza. Binoche não perdeu a oportunidade de protestar contra a prisão, no Irã, do outro cineasta iraniano, Jafar Panahi, segurando uma placa com o nome do realizador.

Javier Bardem dividiu seu prêmio de Melhor Ator (por Biutiful, de Alejandro Gonzalez Inarritu) com o italiano Elio Germano, do simpático drama doméstico-familiar La Nostra Vita, de Danielle Luchetti.

O prêmio duplo lembrou que a seleção esse ano estava forte em figuras paternas, presentes não apenas nos personagens de Bardem e Germano, mas também no prêmio do júri Un Homme Qui Crie, do cineasta Mahamat-Saleh Haroun, natural do Chad, cujo drama como nação ele filmou no seu filme delicado.

Se Bardem soprou beijinhos para sua “amiga, companheira, meu amor” Penélope Cruz, Germano não perdeu a oportunidade de detonar do alto do pódio internacional de mídia, que é o Festival de Cannes, a política italiana. “Nós artistas tentamos levantar a inteligência da Itália, não obstante o nível dos nossos dirigentes”.

Acertaram ainda com o Prêmio de Roteiro para o sul-coreano Lee Chang-Dong, que fez Poetry, um melodrama tão simples quanto culto sobre uma mulher que descobre, aos 65 anos, a poesia, o neto e os limites do corpo com a chegada da idade.

É preciso que seja dito que pelo menos dois filmes podem ter sido deixados de lado pela injustiça. Another Year, de Mike Leigh, é um dos filmes mais seguros de um autor já tão bem sucedido no seu projeto de cinema, na sua criação de um mundo. Pode ser a sina do autor estabelecido, acharem que ele traz mais do mesmo.

E o ucraniano My Joy, de Sergei Losnitza, que o júri de Burton não conseguiu enxergar o surgimento de um novo cineasta para a ficção, com olhar pessoal e doído sobre seu próprio país, a Rússia. Não é todo dia que uma estréia chega com tanta força.

1 comment:

Documentários said...

O Festival de Cannes é sempre um grande evento. Vamos esperar e conferir o que vai ter de novidade em 2014.