Saturday, August 30, 2008

O Nevoeiro


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O filme de horror que me chama a atenção pela potência da sua máquina de sustos, de suspense e de aflição chama-se O Nevoeiro (The Mist, 2007), dirigido por Frank Darabont. Esse filme B, ou talvez A querendo evocar o cinema B dos monstros dos anos 50, é mais uma adaptação dos escritos de Stephen King, e funciona infernalmente bem junto à platéia. Não seria possível pedir mais de um filme do gênero, e ele ainda vem com um final à altura de todas as premissas do cinema de horror. Para passar duas horas nervoso e feliz, esse é o filme.

Darabont fez outros dois Kings antes, o misterioso campeão moral do www.imdb.com, Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption, 1994), segundo os milhões de leitores do site, o melhor filme já feito pela humanidade (é No. 1 na votação popular). Fez também outra adaptação de prisão, The Green Mile, com Tom Hanks. Darabont é aquele cineasta cheio de americana, ele consegue injetar uma sensibilidade média dos EUA tradicional, sem evitar os aspectos mais duros dos escritos de King. Não é de se espantar que seus filmes são sucessos da família americana, mas com classificação "R", tida culturalmente como 'adulta' nos EUA, pouco 'família'.

Em O Nevoeiro, Darabont me lembra aquele desenho do Pernalonga onde, revoltado com o baixo valor da recompensa oferecida por coelhos, parte para serrar a península da Flórida e mostrar o quanto pode ser perigoso. No caso do Darabont, seu valor baixou consideravelmente com seu filme anterior, The Majestic, um pudim de açúcar que parecia ter sido dirigida por um Spielberg particularmente abiscoitado. De qualquer forma, é um filme que ainda me chama a atenção, pois salas de cinema sempre me atraem.

Para O Nevoeiro, ele apresenta seu filme, até agora, mais agressivo. O personagem principal chama-se David (Thomas Jane, a simpática porta de The Punisher), ele faz cartazes de cinema. Um deles ali no canto é o de Enigma do Outro Mundo (The Thing), de John Carpenter, referência para o que veremos a seguir, uma vez que o cinema de Carpenter faz-se presente com pelo menos mais dois filmes: Assault on Precinct 13 (1976) e The Fog – A Bruma Assassina (1979), ambos lindamente claustrofóbicos.

Discretamente situado nos anos 80, O Nevoeiro abre com uma tempestade violenta que deixa toda a região, e a casa de David e sua família, danificadas. No dia seguinte, sai com o filho para comprar mantimentos no supermercado da cidade e eis que baixa na região uma estranha névoa, logo associada à tempestade. Dos que num primeiro momento enfrentam a bruma nós só ouvimos os gritos distantes, ou vemos seus pedaços ensanguentados sendo devolvidos violentamente.

O grupo preso no supermercado entende que a névoa esconde criaturas desconhecidas que mostram-se particularmente agressivas, e a cada momento surge uma nova e estranha espécie (répteis, insetos, monstros com tentáculos). O aspecto retrô dos monstros é delicioso, e Darabont equilibra esse aspecto "science fiction double feature" com o horror para adultos de cada cena, com especial atenção às reações realistas dos personagens para elementos do mundo fantastique.

A sensação de clausura é palpável ao mesmo tempo em que a angústia aumenta com a certeza de que a fachada de vidro do supermercado não deverá segurar os ataques por muito tempo. Tentativas de fugir são aflitivas, e numa sequência das boas uma corda é usada com máximo efeito nevoeiro a dentro.

Diálogos e decisões chamam a atenção pela lógica correta nesse tipo de filme, e logo cria-se um racha crível entre David e seus simpatizantes e os seguidores de uma fundamentalista cristã claramente neurótica (Márcia Gay Harden) que transforma a situação apocalíptica num cenário ainda mais infernal.

Nos seus momentos mais poderosos, o filme pega pesado no horror mais humano, usando efeitos especiais com rara felicidade nesse mercado tão saturado. Há de se parabenizar (ou temer pela carreira futura de Darabont) pelo final kamikaze do ponto de vista do mercado, muito embora esse desfecho faça do filme experiência ainda mais memorável. Se sessões duplas ainda estivessem em voga, O Nevoeiro faria um lindo par com Fim dos Tempos, do Shyamalan.

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