Saturday, August 30, 2008

Os Desafinados


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A trajetória do cineasta Walter Lima Jr é composta por filmes que encontram facilmente espaço na memória afetiva do cinema brasileiro, e talvez seja suficiente citar apenas um deles, o muito especial A Lira do Delírio (1978). Seu marco inicial, Menino de Engenho (1965), e um mais recente, A Ostra e o Vento (1997), ilustram a coerência de uma carreira que abrange mais de 40 anos. Isso nos leva ao seu mais recente esforço, Os Desafinados (2008), uma grande decepção.

Esse bloco pesado de clichês revela-se, finda a sessão, um mistério. Problemas observados com freqüência na produção brasileira como o do cineasta que filma aquilo (ou aquele) que não conhece, resultando em notas falsas na forma de cinema e visão de mundo, não deveriam ser um problema nesse aqui.

A associação pessoal de Walter Lima Jr (também roteirista) com o material é clara. O release entregue à imprensa reforça isso, confirmando que seus anos de formação no Rio de Janeiro testemunharam o nascimento da Bossa Nova e de toda aquela geração. De fato, ele foi parte disso. O personagem de Selton Mello, um cineasta, tem o corte claro de um alter ego do próprio diretor. Mesmo assim, tudo soa tão falso, como se o filme tivesse sido dirigido à distância, por telefone.

Alternando passagens no presente e no passado (anos 60), Os Desafinados choca por fazer jus ao próprio título. O lugar comum do trocadilho apenas reflete o lugar comum do todo, que é composto por uma seqüência frustrante de situações subdesenvolvidas nas longas duas horas e dez minutos de projeção. É um filme cuja abertura nos mostra ensolaradas paisagens de cartão postal do Rio ao som da bossa nova.

Joaquim (Rodrigo Santoro), Davi (Ângelo Paes Leme), PC (André Moraes) e Geraldo (Jair Oliveira) são o quarteto titular (todos muito risonhos, sempre) músicos brasileiros que vão tentar a sorte em Nova York. Joaquim deixa a esposa grávida (Alessandra Negrini, neutralizada pelo todo) e o grupo ganha a companhia de Dico, que quer comprar uma câmera de cinema nos EUA.

Em Nova York, Dico compra a pesada câmera 35mm, que o filme insinua ter som (câmeras de cinema são mudas). Para deixar claro que Dico é o cineasta do grupo, ele é visto com a câmera no braço em inúmeras cenas, como uma proto-handycam.

Joaquim conhece Glória (Cláudia Abreu) numa cena constrangedora no Central Park (ela toca flauta e ele vem de violão). Glória é cantora e começam um affair que, como tudo no filme, registra mais como cena filmada do que pelo sentimento de romance junto ao espectador. Poucas vezes um casal andando numa cidade à noite e se conhecendo foi tão desinteressante.

Pouca coisa vemos do grupo de fato trabalhando em Nova York, ou interagindo de forma convincente com a cidade. Há uma subtrama que não acontece envolvendo um empresário estrangeiro explorador e a falta de intimidade muito freqüente no cinema brasileiro no filmar o passado de maneira realista (claramente o objetivo aqui) ganha mais uma tentativa não muito bem sucedida, mesmo num filme classe A como este. Não ajuda o fato de personagens estrangeiros em cena serem brasileiros tentando sotaques.

Na verdade, talvez a falta de intimidade maior seja com o mundo estrangeiro, e, de maneira interessante, Os Desafinados reflete essa ausência do elemento cosmopolita que marca a cultura brasileira de uma forma geral, e Nova York retratada nesse filme é uma pista. Cenas em estúdio batem de frente com imagens de arquivo da cidade nos anos 60 que apenas reforçam o aspecto televisivo do conjunto. Na verdade, esse banco de imagens fornece as imagens mais expressivas de Os Desafinados, e uma pena que sejam sempre planos de corte rápidos, típicos de uma novela.

Sem grandes preocupações com um estado de espírito como preocupação maior, ou de ater-se a conflitos humanos de boa qualidade, Walter Lima Jr, parece querer dar conta de toda a década em pinceladas incertas. Voltamos para o Brasil (vôo rasante sobre o Corcovado, imagem assinatura do quão cansado é o senso de imagem do filme), o Golpe de 64 ganha seus cinco minutos aqui, Dico tem problemas com a censura ali, uma TV exibe o discurso histórico "I Have a Dream" de Martin Luther King e, de repente, estamos em Buenos Aires para mais uma seqüência que não parece merecer o esforço do deslocamento.

No presente, temos o grupo já envelhecido rumo ao grande final, a cereja no topo quando o assunto é mais uma nota falsa, um desdobramento teleguiado pelo roteiro. Curiosamente, Dico, ainda no cinema 40 e tantos anos depois, tenta juntar o material da época para montar um especial que honre a música e a juventude de todos os seus amigos, especialmente dos que morreram. Esse especial é, clara e melancolicamente, Os Desafinados.

1 comment:

João Solimeo said...

Então, achei que "Os Desafinados" tentou abarcar muita coisa, em muito tempo, e o resultado é curioso. É um filme longo que vê as coisa de forma superficial. Não gostei especialmente da parte passada no presente, com os senhores interpretando o que sobrou d´Os Desafinados. Talvez o presente pudesse ser usado para abrir e fechar o filme, mas ele fica surgindo para cortar o clima já cambaleante das cenas ocorridas no passado. E Selton Melo parece estar no filme apenas para ser Selton Melo. Pelo jeito gostei mais das cenas musicais do que você. Vi na estréia em Paulínia, no Festival de Cinema, com elenco e equipe presentes. Estou curioso para rever porque tive a impressão que a cópia apresentada lá não estava finalizada. Não havia legendas das frases em inglês e a edição me pareceu ainda em andamento. Eu cortaria fácil uma meia hora do filme.
Abraço.