Saturday, April 11, 2009

Dois em Um



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Ver filme comercial ruim de uma outra nacionalidade que não a hollywoodiana tem algo de positivo. Por ser francês, Dois em Um (La Personne aux Deux Personnes, França, 2008) indica que o mercado de lá é potente o suficiente para arremessar sub-produtos a outras terras, fazendo pequena frente aos americanos. Oferece visão variada da sua produção européia que não restringe-se ao cinema de autor que chega a lugares como o Brasil com respeito garantido. Só ano passado, o maior recordista de público da história da França, a comédia Bienvenue Chez Les Ch’Tis (inédita no Brasil), foi visto por 20 milhões de franceses, fortalecendo a auto-estima do cinema de lá e a luta contra a presença de Hollywood. O lado melancólico é que por causa dos mesmos filmes hollywoodianos e seu poderio, um produto francês como esse termina chegando ao Brasil via circuito “de arte”, gerando curiosa disfunção estética.

Dois em Um pertence ao revolucionário conceito humorístico onde um espírito troca de corpo com outro, idéia que vem e volta no cinema como gripe pós-carnaval. Já tivemos mãe que troca com filha, homem que troca com cachorro e marido com mulher no inacreditável sucesso brasileiro Se Eu Fosse Você, cujo segundo filme aproxima-se dos seis milhões de espectadores no país. Gripe forte essa.

Desta vez, temos um contador bem comportado (Daniel Auteuil) que, ao ser atropelado por um ex-roqueiro dos anos 80 (Alain Chabat), vê seu corpo invadido pela alma do motorista, que bateu com a cabeça. E lá estamos no terreno de Um Espírito Baixou em Mim (1984) e Viagem Insólita (1987) onde alguém ouve vozes dentro da sua cabeça, e ninguém mais ouve. O espectador terá que sofrer pelas mesmas piadas de sempre, incluindo a primeira ida ao banheiro depois da troca.

O filme é algo de formidável na forma como bóia desengonçado sem qualquer vestígio de graça. É fascinante tentar entender o que teria levado Auteuil a não apenas querer fazer o filme, mas a desejar ver-se numa tela grande andando de cueca semi-nu pra lá e pra cá. O ator como gênero animal é mesmo um bicho muito estranho.

Não seria estranho descobrir na internet que os diretores, que assinam apenas Nicolas e Bruno, vieram da publicidade. A atenção deles à arquitetura deslumbrada da moderna área parisiense de La Defense e ao apartamento estilo anos 70 do personagem de Auteuil parecem ganhar mais atenção do que o roteiro, que dá ao espectador a sensação de estarmos diante de material bruto que aguarda edição.

Filme visto no Cine Rosa e Silva 1, Recife, Abril 2009

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