Thursday, March 18, 2010

The Blind Side


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Um Sonho Possível (The Blind Side, EUA, 2009) é o filme que deu o Oscar de Melhor Atriz a Sandra Bullock. É a história de Leigh Anne Tuohy, empresária branca conservadora (é republicana, porta armas de fogo), casada e com dois filhos. Ela adota um garoto negro de 17 anos, dois metros de altura e uma massa corporal que só parece sugerir uma coisa: futebol americano. Talvez seja o tipo de filme feito para circular no meio oeste racista dos EUA, onde os valores aqui defendidos serão compreendidos e aplaudidos. Por ter vencido esse Oscar, está sendo oferecido em lugares como o Brasil. Cuidado.

Esse filme e A Proposta foram os dois grandes sucessos de Bullock em 2009, arrecadando juntos quase 600 milhões de dólares só nos EUA. A soma aumenta a suspeita de que o Oscar foi um salário bônus para a atriz.

Mais uma vez, temos a questão da representação, nesse caso racial. Há pouco, outro filme oscarizado, Preciosa, nos mostrou uma outra adolescente americana negra e grande, presa nos problemas de sempre (abuso, violência, drogas). Se algo ali no enfoque já soava verdadeiro, o simples fato de o filme ser sobre essa menina, tendo-a à frente da câmera em quase todas as cenas, já é mais do que meio caminho andado.

Em Um Sonho Possível, o filme é sobre a empresária branca que parte para praticar seu cristianismo condescendente no garoto negro, que é tratado como um enorme bicho de pelúcia, ou um animal doméstico fofinho encontrado na rua. Para quem defender o filme lembrando que a história é real, vale destacar que a vida certamente pouco tem a ver com um anuncio de margarina disfarçado de filme como esse.

Primeira pergunta, por exemplo, é: será que o filho caçula da família era tão irritante quanto o do filme? O ator mirim Jae Head soa como um boneco de pilha loiro e sua alegria histérica e constante pega muito mal quando se transforma no professor de futebol do seu irmão negro adotado, seis vezes maior do que ele.

Apresentado como o arquétipo freqüente no cinema americano do homem negro grande e manso (vide E o Vento Levou, À Espera de um Milagre, etc), vitimado por uma mãe viciada em crack, Michael Oher (Quinton Aron) vaga pelo filme como um Obelix negro. É incapaz de entender as orientações do seu técnico de futebol, mas aprende o conceito do jogo quando sua mãe branca prega como um pastor da Igreja Disney sobre a força da família. Bullock enrola bem a língua pra falar o sotaque sulista americano, representação cultural do conservadorismo em todas as formas. The horror.

Filme visto no Plaza Casa Forte, Recife, março 2010

1 comment:

Alexandre Carlomagno said...

Concordo contigo em todos os aspectos, apesar da minha abordagem ter sido ligeiramente diferente. O filme exala um catolicismo que chega a ser pueril e ridículo, mas, na minha opinião, serve como contraste a O Livro de Eli - um dos filmes mais corajosos que já vi.

Forte abraço.