Thursday, March 18, 2010

Entrevista - Corneliu Porumboiu


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Corneliu Porumboiu, 35 anos, é um dos talentos mais destacados da nova geração de cinema romeno que vem conquistando todos os grandes prêmios mundo a fora, começando pelo Festival de Cannes. Seu primeiro filme, Ao Leste de Bucareste (2006), uma engraçada reflexão sobre memória (ou amnésia) e história, ganhou a Câmera D’or, troféu dado a estréias. Seu segundo filme, Policia Adjetivo (Politist, Adjectiv) levou o prêmio especial do júri em Cannes, ano passado, e tornou-se um dos mais elogiados filmes do ano no mundo todo. Tido como “filho do festival”, Porumboiu reforçou com obra perfeitamente absurda a boa mão do cinema romeno para discutir o tempo e as palavras, as leis e a opressão, tema recorrente num cinema de jovens realizadores que foram crianças numa Romênia ditatorial. Em Cannes, logo apos a primeira sessão de Policial Adjetivo na Mostra Un Certain Regard, Porumboiu conversou sobre seu filme com Kleber Mendonça Filho.

KLEBER MENDONÇA FILHO – Seus filmes se passam na Romênia de hoje, mas parecem ter uma carga de opressão herdada na cultura que, para um observador estrangeiro, é facilmente associada ao passado recente do país. Como chegou a Policia Adjetivo?

Corneliu Porumboiu – Sim, está tudo lá, ainda precisaremos de duas ou três gerações para dissipar esse cheiro ruim. Eu cresci nessa Romênia antiga. Duas coisas me levaram a esse filme. A primeira vem do fato de eu ter um grande amigo de infância que é policial. Falávamos de um caso que ele via como sem importancia e ele me disse que não queria levar à frente a investigação pois não queria que sua consciência pesasse. Isso me chamou a atenção porque, no gênero do “filme policial”, normalmente o policial, ou “tiras”, como os americanos gostam de chamar, os casos são sempre sérios, difíceis e espetaculares. Nesse caso, era o oposto, algo que ele, como policial, queria ignorar pela falta de gravidade por ele interpretada. Depois disso, fiz algo interessante: mandei emails para amigos perguntando o que, para eles, seria “consciência”. Foi engraçado, e as respostas as mais estranhas possíveis. Soube também de uma outra história sobre dois irmãos, numa cidade pequena, um foi pego fumando maconha pela policia, o que os levou ao seu irmão. Esses foram os dois pontos de partida, depois disso, parti para a literatura, escrever.

KMF - Policial Adjetivo passa como um filme policial no sentido “gênero policial” desmontado peça por peça. . É um policial, mas há a sensação de que você não quer que ele se entregue às peças mais fáceis desse tipo de filme.

CP – O filme é um policial! Desde o início que ele deveria ser, e quem discordar, eu mostro o titulo do filme. Me interessava muito pensar um pouco sobre filmes americanos, ou melhor, o cinema clássico de gênero. É claro que, em primeiro lugar, os desdobramentos vinham da própria história, mas eu comecei a pensar muito sobre a idéia de esperar, sobre ver coisas que não estão acontecendo. No filme policial normal, é o oposto, o que acontece é “o que conta”, “ação!”. Curiosamente, foi pensando no meu filme que passei a conhecer os outros filmes policiais clássicos, por serem o extremo oposto.



KMF - Em Ao Leste de Bucareste, você já usava o tempo filmado (real) de maneira provocadora, algo que parece ser levado a um patamar ainda mais radical em Policial Adjetivo.

CP – O cinema entende a linguagem do tempo. É a única arte onde o tempo pode estar ali intacto. Para mim, é mais fácil definir um personagem, ou uma personalidade, através do tempo de ser e estar. O estar pode ser mais revelador do que dez páginas de diálogos e caracterizações. O tempo que leva para alguém se mexer e você descrever o mundo através do tempo. É um ponto de vista pessoal meu e que me interessa como expressão no cinema.

KMF - Esse elemento tem utilização particular nos seus filmes, mas é percebido nos filmes romenos que têm chamado a atenção nessa leva recente, como A Morte do Sr. Lazarescu e 4 Meses 3 Semanas 2 Dias.

CP – É tudo uma questão de como se narra uma história. Esses filmes são simples, de certa forma, minimalistas, histórias que se passam num período curto. É uma fuga de um certo tipo de cinema de “grandes histórias” que se passam ao longo de dez anos, e você é obrigado a escolher aqueles momentos especiais. É uma visão compartilhada de cinema que, pelo jeito, temos tido.

KMF - Além de ter sido selecionado para o ateliê Cinefondation do Festival de Cannes, seus dois longas estiveram aqui. Qual sua percepção dessa relação com o festival.


CP – Dez anos atrás eu entrei na faculdade de cinema e nesse tempo, já tenho dois filmes realizados, ambos trazidos para Cannes. Para ser sincero, quando comecei a estudar, achei que fazer um filme já seria um sonho realizado. O que tem acontecido comigo já seria suficiente. É claro que me sinto um “filho de Cannes”, mas, ao mesmo tempo, me sinto totalmente tranqüilo em relação ao terceiro filme, e se ele estará ou não em Cannes, embora possa parecer que eu faça cinema para estar no festival!

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