Friday, May 16, 2008

Ceylan e as nuvens


O cineasta turco Nuri Bilge Ceylan é veterano de Cannes, caiu nas graças do festival com filmes de difícil acesso no Brasil. Seu Uzak (Distant, 2002) é excelente, sobre dois irmãos que não se viam há muito tempo. Há três anos, exibiu (e ganhou prêmio especial) Climates, sobre um casal que se vê cada vez mais separado, e Ceylan usa para ilustrar isso as estações do ano. Climates chegou a ser adquirido para distribuição no Brasil pela Pandora, mas permanece sem data ou previsão de lançamento. Ontem, passou o filme novo dele, Uc Maymum (Três Macacos), uma clássica história de traição narrada com clara sensação de que Ceylan se considera um dos grandes artistas da arte universal, de todos os tempos e todos.

Curioso como o efeito dos filmes dele parecem estar diminuindo nos que prezam pela sutileza das imagens. Ceylan e suas imagens sugerem crença na força das nuvens, do vento e do céu, e entram também aí a chuva e os trovões. Seu filme novo super fatura as imagens de forma mega espetacular, injetando um tom de ultra-fotografia numa história de corno que não poderia ser mais básica. Em 1970, David Lean foi crucificado por fazer o mesmo tipo de coisa em A Filha de Ryan, e ainda assim aquele resultado me passa a sensação de ser bem mais funcional do que esse.

Em Uc Maymum, um pai de família trabalha para um político que envolve-se num atropelamento em estrada deserta. O patrão propõe que o empregado assuma o delito, passe seis meses na prisão e que seja recompensado financeiramente pelo esforço. Durante a ausência do homem, sua esposa (bela e madura, como as mulheres nos filmes de Ceylan geralmente são) desenvolve relação com o patrão.

Cada cena é enquadrada como se Antonioni ou Tarkovsky tivessem dado consultoria, com acurado trabalho de vento no som e uso ostensivo de nuvens pesadas no céu que parecem soletrar histericamente E-N-C-R-E-N-C-A.

Um fator interessante e positivo: Climates foi, creio, o primeiro filme rodado e projetado em sistema digital de alta definição (na projeção de Cannes, a melhor do mundo) que finalmente me chamou a atenção pelo fato de ser uma imagem não apenas diferente do "cinema película", mas dona de personalidade e possibilidades próprias. No novo filme, Ceylan continua pesquisando o digital, usando tela larga CinemaScope com resultados lindos, de fato. O último cineasta que chamou a atenção por essa pesquisa com o digital foi o Lars Von Trier, com a diferença que suas narrativas ampliavam o impacto de suas imagens. No caso desse último filme de Ceylan, ficariam mais dignas numa projeção de galeria, sem a historinha que as acompanha.

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