Thursday, March 18, 2010
O Livro de Eli
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Nos chamou a atenção que os dois filmes lançados hoje no circuito comercial – Um Sonho Possível e O Livro de Eli – poderão facilmente ser projetados em escolas da bíblia para platéias cristãs que queiram reiterar sua fé. Esse tom conservador exultante pode ser sobra da doutrina dos anos Bush-pós 11 de Setembro, quando o sentido de “ser americano” fechou-se ainda mais como um caracol em torno da idéia de família, do patriotismo e da religião.
Em O Livro de Eli (The Book of Eli, 2009), dirigido pelos Irmãos Hughes, temos uma versão especial de um sub-gênero conhecido: o filme pós-apocalíptico, muito em voga nos anos 60 e 70 (O Planeta dos Macacos, The Omega Man, Mad Max) como produto do medo de uma guerra nuclear entre capitalismo e comunismo. No geral, esse tipo de filme tinha um herói que refletia o desespero da anarquia que tomaria o mundo, ele mesmo levando sua descrença e seus medos na nossa frente. É o tipo de produto artístico onde um pouco de nihilismo faz sempre bem.
Já em O Livro de Eli, o herói titular é interpretado por Denzel Washington, ator que impõe qualidades imaculadas aos seus personagens, desde sempre. Eli certamente se comporta como os heróis do passado, um homem capaz de usar a ultra-violência contra os que partem para cima dele com selvageria. No entanto, Eli revela-se totalmente diferente.
Além de naturalmente imaculado via Washington, Eli é um herói messiânico que recebeu uma missão de espalhar a palavra de Deus sobre a terra como o portador das velhas boas novas. Não há quedas ou erros nesse homem pós apocalíptico, pois ele é o certo e o escolhido. Depois de 15 minutos, é como se víssemos Jesus desafiando a paisagem com um facão, pistola e 12.
O livro também vira objeto de desejo do malvado da história, Carnegie (o sempre interessante Gary Oldman), que quer usá-lo como instrumento de poder (ele é visto lendo biografia sobre Mussolini).
Carnegie é o chefe de uma comunidade onde tudo se troca, a personagem de Tina Turner da Bartertown de Mad Max Além da Cúpula do Trovão, onde a vida também vale pouco. O escritório de Carnegie fica nas ruínas de uma sala de cinema.
Os Irmãos Hughes dirigem com alguma tentativa de estilo, mas eles próprios parecem ter uma missão: a de nunca permitir que seu filme exista como uma divertida aventura (a sequência do casal de idosos é a mais séria ameaça nesse sentido). É uma quase-culpa católica, pois O Livro de Eli é um desses projetos tristes que sugerem aspirações mais profundas e espirituais.
Eu simpatizo com os Hughes, faziam (talvez ainda façam) produtos autorais curiosos, cheios de energia mas pobres de construção e iseguros no estilo sempre agressivo. Para quem viu Menace II Society (1993), Dead Presidents (1995) e From Hell (2001), talvez concorde.
Em Livro de Eli, parecem usar manuais de instrução para chiliques modernos a partir de material reciclado. A fotografia é escura, mesmo no deserto, e cinza esverdeada, mesmo sob céu azul. Essa artificialidade parece combinar com a monotonia messiânica de Eli, que faz amizade casta com a garota mais gracinha (e limpa) do mundo pós apocalíptico (Mila Kunis), enquanto o filme atinge dois coelhos com uma só pedra: é sertanejo e gospel, ao mesmo tempo.
PS: a virada final não faz sentido para ateus.
Filme visto no Plaza casa Forte, Recife, março 2010
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6 comments:
Devo ver o filme na segunda-feira, então depois eu leio seu texto! Me parece ser um filme divertido.
Abraço!
Olá, Kleber. Desculpe-me pelo comentário fora de lugar, mas, no centenário do nascimento de Kurosawa, o iG publicou uma boa matéria sobre a obra do cineasta e os cinemas da Liberdade que exibiam seus filmes. Segue o link:
http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/2010/03/21/no+centenario+de+kurosawa+a+historia+dos+cinemas+japoneses+da+liberdade+9434527.html
[]'s,
Helder.
Não saiu direito. Vai de novo:
http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/2010/03/21/no+centenario+de+kurosawa+a+historia+dos+cinemas+japoneses+da+liberdade+9434527.html
Muito bom Helder! Obrigado, já deve saber que esse tema me interessa. É fascinante. Kleber
Bem, continuando meu comentário colocado no post sobre Um Sonho Possível, eu diria que O Livro de Eli não é um filme niilista ou sequer católico. Ele vem para dizer que a igreja "enxerga" demais, quando na verdade nós deveríamos sentir a fé, tatea-la, como faz o protagonista. Mas não só isso: o filme nos diz que a religião deve exercer uma papel individual, ou seja, as igrejas e cia não deveriam ser esta máquina manipuladora, exatamente como o filme pinta.
A obra dos irmãos Hughes na verdade é uma grande e dolorida alfinetada nas igrejas, e um genuíno poema sobre a fé - mas não apenas a fé religiosa, mas a fé enquanto positivismo, força motriz na busca por objetivos. Sim, no final ele devolve a bília, mas a devolve para um novo começo, onde personagens como o de Gary Oldman não existe.
Bem, resumidamente esta é a minha opinião sobre o filme. Me desculpem se não fui claro o bastante, mas qualquer coisa deem uma passada no meu blog, o texto está publica lá.
Forte abraço a todos.
olá. vi o filme no dvd.
muito reflexivo. Ele não foi religioso. apenas recebeu uma missão e fez dela um objetivo.
tava mais pra ABRÃAO DO QUE JESUS.
DUAS LEITURAS QUE FAÇO:
1º DETERMINAÇÃO
2º QUE MEMÓRIA,
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