Thursday, March 18, 2010

O Que Resta do Tempo



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Na entrevista que eu fiz com feita com Elia Suleiman (abaixo), ele parece ressentir-se de o olhar sobre seus filmes ser sempre carregado de “uma visão política”. Entendemos o desconforto do autor em filmes tão pessoais, mas não há como dissociar a política, a história e a geografia de uma obra como O Que Resta do Tempo (The Time That Remains, Fra/Ale/Ing/Ita/Bel, 2009), onde Suleiman faz uma crônica pessoal da sua cidade, Nazaré, de 1948 aos dias de hoje. Esse filme é maravilhoso.

É impossível ignorar imagens políticas como um salto com vara, poético e algo de mágico, por cima do muro erguido por Israel para separar-se (e proteger-se) dos seus vizinhos palestinos.Talvez seja uma de muitas imagens assinaturas do filme que mostram o quanto o cinema existe no autor como seu próprio estado de espírito.

Há dois lados muito claros nessa história, e que geram discussões acirradas: de um lado, a truculência de um povo militarizado que sobreviveu à barbárie do holocausto pouco tempo atrás, marcando seu espaço no mundo a força numa área que seria dividida com um outro povo irmão, enxotados de lá no pós-Guerra.

Os palestinos são claramente o lado pobre, os oprimidos, cidadãos de segunda classe no seu próprio espaço. Isso amplifica o interesse por um ponto de vista palestino via cinema contrapondo-se ao olhar já estabelecido do cinema israelense.

O ponto de vista de Suleiman é o do cidadão oprimido que integra uma sociedade oprimida, mas cuja cabeça é mantida com o nariz acima da linha do horizonte. Ele libera borrifadas de ironia e humor contra o opressor para expor o absurdo de uma vida vigiada.

Como nos seus dois filmes anteriores (Chronicle of a Disappearance e Intervenção Divina), o próprio Suleiman, 49 anos, mostra sua cara no filme. Ele é o homem que vem de longe (talvez ele mesmo, o cineasta), via aeroporto, para visitar sua mãe.

Memórias e histórias do passado ilustram o filme, lindamente composto via fotografia clara e nítida. Seu pai é um guerrilheiro numa ação de resistência em 1948 aqui mostrada sem grandes convicções de que uma vitória seria possível. De qualquer forma, a imagem do pai sobrevive forte ao longo de toda a narrativa, e, aos poucos, o espectador entende que a aparente frieza do estilo de Suleiman guarda enorme calor pelo seu pai e por sua mãe.

O jovem Elia, visto na escola assistindo a Spartacus (sobre um escravo que rebela-se) e na sua casa de tons pastéis, domina parte importante do filme, quase sempre sendo repreendido por questionamentos políticos, um dos melhores deles em relação aos EUA.

A carga histórica narrada de Suleiman cheira sempre a verdade, e o espectador tem a certeza de que estas são histórias e vinhetas anotadas da vida real.

Nos segmentos mais contemporâneos de O Que Resta do Tempo, o filme perde seu tom confessional e emotivo, mas ganha na comédia surda, absurda e sarcástica, revelando que só a arte mesmo é capaz de enquadrar a realidade e tirar dali um comentário poderoso sobre a vida em sociedade, dentro de uma geografia emocional e num tempo que é do autor, e de ninguém mais.

Filme visto no Lumiere, Cannes, maio 2009

2 comments:

Bruna said...

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Bruna said...

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