Thursday, March 18, 2010
Polícia Adjetivo
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
À certa altura de Policia Adjetivo (Politist, Adjectiv, Romênia, 2009), filme de Corneliu Porumboiu, tem-se a sensação de estarmos ouvindo o embate sem acordos entre um medico humanista e um mecânico submisso a manuais operacionais. Os dois discutem a questão da responsabilidade para com o ser humano, questão que deveria ser orgânica e nunca técnica. De forma brilhante, o filme mostra para o espectador que o poder está muitas vezes com o mecânico, que, além de cego, é ainda surdo.
Numa dessas coincidências de programação, o filme estréia no Recife com O Que Resta do Tempo, do palestino Elia Suleiman. Alem de ambos terem estado no Festival de Cannes 2009, são filmes distintos em cores e estilos mas que se desdobram a partir do humor que brota sob uma idéia bem estabelecida de opressão.
No filme de Porumboiu, um jovem policial (Dragos Bucur) vê-se encarregado de seguir um adolescente usuário de haxixe que talvez tenha dado a droga para dois amigos. O policial sabe que, perante a lei antiga, o garoto deverá ser preso e julgado, arruinando a vida de um jovem que, para ele, faz algo que não merece castigo tão duro. Sabe também que a Romênia, no seu processo de europeização, irá mudar a lei para esse tipo de delito. É uma defesa humanista e bem fundamentada dentro de uma idéia de cultura e tempo.
Não é difícil entender onde está o ponto de vista do cineasta nesse conflito, claramente representado pelo herói desse filme policial comicamente lento. A lentidão proposta pelo filme expõe o absurdo de um trabalho que consiste em observar pouca coisa acontecendo e ainda burocratizar esse quase nada através de um relatório que resulta na mais árida literatura (estampada na tela para que o espectador possa sentir a ironia do absurdo).
O primeiro filme de Porumboiu – Ao Leste de Bucareste -, era uma comedia hilariante com esse tipo de minimalismo sobre como os romenos lidam com sua memória recente. Em Policia Adjetivo, paira sobre o todo o peso de uma cultura ditatorial que estimulava o absurdo no dia a dia, rotina muitas vezes marcada por uma idéia de burocracia que ninguém deveria nunca merecer.
Se o tom radical do filme é capaz de deixar alguns espectadores do lado de fora, os que estiverem firmes nos trilhos do que Porumboiu propõe serão brindados com um longo trecho final absolutamente genial onde o já citado “médico” (o jovem policial) irá enfrentar o “mecânico” (seu chefe infernal), interpretado pelo grande ator que é esse Vlad Ivanov.
Ivanov mostrou domínio absoluto da ameaça mansa das palavras contra duas jovens mulheres num quarto de hotel em 4 Meses 3 Semanas 2 Dias, de Cristian Mungiu. Em Polícia Adjetivo, põe, literalmente, os pingos os ‘i’s ao desconstruir - com o poder da hierarquia e a ajuda de um dicionário - uma tentativa de humanizar as leis do homem para o homem. A cena final é uma jóia triste de ironia, possivelmente a grande arma da arte contra os tiranos.
Filme visto na Sala Debussy, Cannes, Maio 2009, e revisto no Cinema da Fundação, Recife, outubro 2009.
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2 comments:
Kleber,
Este filme, bizarramente, não estreou nos cinemas aqui do Rio. Sabe se ainda há alguma possibilidade?
Deve estar chegando, qqr hora agora. Mas vá rápido quando estrear, no Rio.
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