Thursday, May 13, 2010
O Estranho Caso de Angélica (Un Certain Regard)
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Da tranqüilidade do primeiro dia, Cannes pulou para a quarta marcha hoje. Dois orientais chamaram a atenção, o melodrama chinês sobre pais e filhos Chonqing Blues, de Wang Xiaosuai, e o nunca chato coreano The Housemaid, de Im Sangsoo, uma luta de classes numa mansão.
No entanto, quem não pára de roubar a cena em festivais desse porte a cada novo pequenino-grande filme é Manoel de Oliveira, que estreou mundialmente O Estranho Caso de Angélica, apresentado na paralela Un Certain Regard.
Oliveira estava na coletiva de imprensa do seu filme, tranqüilo, discutindo cinema, e é sempre bom enfatizar que ele faz isso aos 101 anos de idade. “A morte é uma certeza, e eu não tenho medo dela”, afirmou.
Indo direto ao ponto, seus filmes proporcionam experiência sem igual que sugere ligação entre um cinema pessoal e moderno feito hoje que não existiria sem um sentido palpável de um passado que parece ser só dele. É um privilégio poder ver essas modernas cápsulas do tempo, onde predomina a sensação de analógico num ambiente onde só se pensa em digital.
Quantas vezes mais iremos nos impressionar com a sua capacidade de escrever esse cinema com letras, sons e imagens que nos remetem a uma noção palpável de Portugal, e nisso vem a elegância romântica criada na literatura e no teatro, nos galanteios de muito tempo atrás, no linguajar de um olhar romântico que ainda sai puro num filme feito em 2010?
O Estranho Caso de Angélica, uma co-produção brasileira (via Mostra Internacional de Cinema de SP), foi originalmente escrito em 1952 como roteiro... Oliveira atualiza como ninguém mais atualizaria, deixando uma idéia curiosa de um senso de tempo que não cabe no termo ‘anacronismo’. Isso faz de O Estranho Caso de Angélica o irmão coerente de uma outra jóia desse autor, Peculiaridades de uma Rapariga Loira, que estreou ano passado em Berlim, adaptação de Manoel de Oliveira para o romance de Eça de Queiroz.
Em ‘Angélica’, o personagem central chama-se Isaac, um fotógrafo judeu levado numa madrugada chuvosa para uma quinta de família nobre para fotografar pela última vez Angélica, bela jovem que acaba de morrer. Com sua Leika manual, e um reforço na iluminação, ele a enquadra, imagem que não conseguirá mais tirar da cabeça. Um pouco como o próprio espectador.
A governanta desse cavalheiro está sempre reclamando que ele só tem olhos para coisas antigas, preferência sustentada apaixonadamente pelo próprio Isaac, e a associação jocosa com o tom de Oliveira é inevitável. E lá saem dois personagens voando pelos céus como recortes montados a partir de um filme de Meliés chocando-se com uma discussão recente sobre os caminhos do downturn financeiro do mundo atual.
Enfrentando o estranhamento inicial da família católica da falecida, Isaac segue assombrado pela imagem da mulher, documentando, talvez para esquecer (ou para lembrar sempre) os trabalhadores braçais das vinhas do Rio Douro, objeto de estudos passados na obra de Oliveira. Ele quebra seu transe formal com a mecanização de tratores e caminhões que passam sempre aqui e acolá, outro prazeroso choque.
Estaria Manoel de Oliveira, um pouco como Isaac, documentando apaixonadamente uma certa beleza que está indo embora com o tempo? A poesia disso tudo é que esse cinema dele é esse próprio registro.
Filme visto no Debussy, Cannes, 13 Maio 2010
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2 comments:
Uaul!! Quero ver...
O pior filme que ja vi na minha vida.
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