Thursday, September 3, 2009

Anticristo


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


No último Festival de Cannes, Lars von Trier espalhou uma série de "aspas" cínicas ao mostrar seu "Anticristo". "Eu sou o melhor cineasta do mundo" foi a mais popular, embora uma outra tenha chamado menos atenção. "Anticristo...", escreveu no material de imprensa, "foi feito com aproximadamente 50% da minha inteligência habitual". A obra seria ainda fruto de uma dura fase pós-depressão...

A teoria dos 50% não só renova o calculismo aberto de Von Trier para com o que filma (fonte de irritação para muitos), como explica a primeira sensação, durante a projeção, de que vemos as brutas do filme que teriam sido vagamente editadas. Esse meio-filme é falado na língua da psico-bobagem por marido e esposa (Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg), isolados numa cabana fabular após a perda do filho.

No entanto, algo ocorre durante essa obra de pés tortos e poucos amigos. Percebemos forças não catalogadas num cinema de gênero (o do horror) via autor incomum. São os delírios potentes de um anormal, seus personagens, bonecos de macumba que ele fura com grande alegria.

Von Trier, que inspirou sensações de apocalipse em obras que usavam a mulher como portadora do amor -"Ondas do Destino", "Dançando no Escuro", "Dogville"- está, enfim, livre para investir apenas no mal-estar mono. Isso talvez explique o fato de

"Anticristo" ser 40 ou 60 minutos mais curto do que os outros.
Esse olhar é notável ao vermos o realizador dar um tom algo alienígena aos elementos de sempre no gênero. O prólogo, uma publicidade espetacular de xampu, atualiza a abertura de "Inverno de Sangue em Veneza", de Nicolas Roeg. A cabana lembra "A Morte do Demônio", de Sam Raimi.

No entanto, "Anticristo" irá seguir o caminho da mulher, que Gainsbourg obedece com fervor em elos femininos insuspeitos com a obra de José Mojica Marins. Essa mãe, uma das várias fêmeas-bicho do filme (todas com crias mortas), é o horror da natureza e instrumento astucioso de Satanás. A personagem, seguindo desígnios do autor, irá abrir a caixa de ferramentas para punir o prazer e a sexualidade. A plateia cruza as pernas.

Em Cannes, esse filme único gerou reações típicas no cinema extremo. Espectadores deixaram a sala no que mais pareciam atos políticos irados. Parecem não saber que o cinema de horror tem essa função há muito tempo, e que, para alguns artistas, xingamentos soam como música erudita.

Filme revisto no Arteplex Unibanco, São Paulo, Agosto 2009

1 comment:

Victor said...

Minha dose de Von Trier tá se esgotando a tempos. As merdas que acontecem diáriamente já me deixam horrorizado suficientemente.