Thursday, September 3, 2009

Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo, filme de Marcelo Gomes e Karim Ainouz, tem sua estréia mundial hoje, no Festival Internacional de Cinema de Veneza, na Itália. O longa metragem de 78 minutos, um filme de amor, foi selecionado para a mostra paralela Orizzonti. Há três semanas, o produtor pernambucano João Jr, da Rec Produtores, mostrou o filme no Recife, em sessão fechada.

O filme de Gomes e Ainouz foi realizado ao longo dos últimos 10 anos e era conhecido como Carranca de Acrílico Azul Piscina. Passou anos como 'obra em construção'. Composto por impressões captadas em formatos diferentes de imagem, desde 1999, Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo (uma frase de pára-choque de caminhão) termina apresentando uma revisão interessantíssima do elemento 'sertão'.

Se o Cinema Brasileiro tem uma queda pelo sertão como paisagem aberta e dura, palanque estético para discursos políticos sobre pobreza e desigualdade, Gomes e Ainouz parecem abandonar isso e usar as vistas abertas dessa geografia como terreno intimista e pessoal. Tanto Cinema Aspirinas e Urubus como O Céu de Suely (de Ainouz) já apontavam para isso, e esse novo trabalho em co-autoria sacramenta desenvolve ainda mais o conceito.

A caminho de Veneza, nesses últimos dias, os cineastas responderam por email algumas questões iniciais sobre um filme que terá sua première brasileira em algumas semanas, no Festival do Rio, com lançamento nas salas previsto para janeiro.

"Mais do que Sertão, palavra que designa um locus físico e imaginário, uma construção tão densa de significados, preferimos pensar na palavra deserta. E o filme, em última instância, é a história de uma travessia por um lugar isolado, silencioso, rarefeito, mas talvez um lugar que já foi assim, e que hoje é bem mais cheio de ruídos", escreveram os dois diretores, que assinaram juntos as respostas.

Eles fizeram um filme ensaio dotado de coração (partido), aspecto emotivo notável numa obra que ejeta estruturas clássicas de narrativa. Há a sensação de que estamos vendo as imagens de um amigo, trazidas de uma viagem feita há pouco tempo, sua voz dedicada a descrever o que sentiu mais do que o que estamos vendo.

Essa viagem pelo interior do Brasil tem o tom de um torpor amoroso que vai adquirindo sentidos íntimos nos pensamentos em voz alta de um geólogo (Irandhir Santos). A relação dele com terra e pedra parece manter sua sanidade sob controle. A sensação de estarmos diante de uma coleção de imagens captadas na estrada vem de uma mistura orgânica de registros em película, vídeo digital e fotografias, lindamente sonorizadas.

"Na realidade, a tecnologia da imagem mudou significativamente nesses dez anos. No início nossas escolhas de formato foram feitas em função daquilo que poderiamos dispor, fianceiramente. E aí o filme foi sendo apontado para um lugar que é o lugar da colagem de formatos, emblemáticos de temporalidades diferentes, assim como é a região percorrida pelo personagem", dizem.

O trabalho de Santos (Amigos de Risco, Baixio das Bestas) faz de sua voz guia um personagem completo. "Para dirigir o Irandhir, primeiro fizemos um estudo de vozes em off em diferentes filmes que admiramos. Passamos horas e horas com Irandhir, refletindo sobre a gênese do personagem e seu estado emocional em cada momento da viagem. Queríamos que o personagem começasse com uma voz acertiva, determinada, afinal ele é um geólogo, classe média, com uma vida correta, organizada. Aos poucos, queríamos que ele fosse mudando, de acordo com a voz, se desorganizando. Irandhir foi incrível nesse processo, pela paciência e pela dedicação."

A seleção em Veneza de Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo confirma tendência impressionante da ainda pequena produção pernambucana no sentido de ganhar tela em festivais internacionais de primeira grandeza.

O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas, de Paulo Caldas e Marcelo Luna, esteve em Veneza 1999 na paralela Nuovi Territori. Cinema Aspirinas e Urubus foi para Cannes, em 2005, e Árido Movie, de Lírio Ferreira, também para a Orizzonti de Veneza, no mesmo ano. Baixio das Bestas, de Cláudio Assis, ganhou Melhor Filme em Roterdã 2007, enquanto Deserto Feliz, de Paulo Caldas, teve seleção em Berlim. Esse ano, Um Lugar ao Sol, documentário de Gabriel Mascaro, tem tido carreira sólida em festivais como Munique, Buenos Aires e Los Angeles.

Filme visto no Cinema da Fundação, Recife, Agosto 2009

3 comments:

chico said...

a descricao me lembrou o sans soleil, de chris marker. doido pra ver.

Vinícius Reis said...
This comment has been removed by the author.
Vinícius Reis said...

Gosto muito do cinema que eles fazem. Quero muito ver esse filme e já estou curioso pra saber qual o próximo projeto deles.