Friday, May 14, 2010

Wall Street - Money Never Sleeps (hors concours)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Foi nos primeiros meses de 1988 que eu vi no Cinema São Luiz (Recife) Wall Street – Poder e Cobiça, filme de Oliver Stone, na época ainda gozando do sucesso de Platoon. O filme, enxuto, tenso, com um sólido senso moral, falava sobre os EUA daquele momento, dominado pela cultura yuppie da era Reagan. Hoje, parece o tipo de filme que não vemos mais em Hollywood, obra adulta para adultos, e que só agora, 22 anos depois, ganha uma continuação, Wall Street – Money Never Sleeps (O Dinheiro não Dorme). Passou ontem em Cannes em pré-estréia mundial fora de competição. Tem estréia no Brasil em setembro.

Foi o filme do dia, em termos de mídia, uma das poucas produções Hollywood esse ano no festival, para a alegria de uma imprensa faminta por filmes grandes cheios de celebridades num cardápio onde predominam pequenos filmes autorais de países como a Romênia, a Coreia ou mesmo a França. Aliás, como bem disse o inglês Mike Leigh (em competição esse ano outra vez com Another Year), numa entrevista publicada ontem na Hollywood Reporter, “os americanos fingem que, mas, na verdade, não entendem Cannes”.

E os jornalistas, americanos ou não, estavam felizes ontem com a presença de Stone, Michael Douglas (que ganhou seu Oscar de ator por Wall Street), Josh Brolin, Shia LaBeouf, Frank Langella e o produtor Edward Pressman, na coletiva de imprensa.

Douglas, que interpretou o urubu de Wall Street Gordon Gekko, está de volta no filme novo, que começa com Gekko saindo da prisão por crimes cometidos nos anos 80. Dos seus artigos pessoais recuperados na saída, um gigantesco celular ilustra bem a passagem do tempo e dos costumes. São de Gekko/Douglas as melhores falas dessa continuação, como “nos anos 80, ganância era uma coisa boa, hoje ela foi legalizada”.

É curioso observar que, se o primeiro filme traçava perfil de um estado de espírito político na sociedade americana na época, nesse novo sobressai-se antes de tudo um reflexo do mercado atual de cinema. Se no primeiro, Douglas dividia o filme com Charlie Sheen, agora Douglas está no filme como passageiro. Nosso herói é interpretado por LaBeouf (Transformers), ator amigável para platéias jovens que os produtores claramente almejam com o tom censura 13 anos (o PG-13 de Hollywood) do todo.

Na verdade, o trabalho de LaBeouf nesse novo Wall Street repete o que ele mesmo fez em Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, ou seja, ser o meio campo entre os adolescentes e um grande astro de 20 anos atrás, agora grisalho.

No entanto, o filme não deve ser desprezado. Stone, o principal cronista dos EUA, talvez em toda a história de Hollywood, sempre lidando com Grandes Temas em letras garrafais (Vietnã, anos 60, 11 de Setembro, Nixon, política externa, Bush, etc) mais uma vez retrata essa sociedade numa época em que a informação é tudo o que há. Seu filme é sobre o poder assumindo a forma mutante da informação, o que nos leva às aspas de Russel Crowe na coletiva de Robin Hood, no primeiro dia de Cannes, e talvez ao novo Godard, Film Socialisme.

Stone chega a encher a tela de letrinhas, números e efeitos digitais (uma bolha de sabão ilustra o efeito... er... ‘bolha estourada’ da economia) que parecem coisa de filme 3D (o filme é 2D). Há jargões técnicos e a trama, vez ou outra, soa como uma língua estrangeira não dominada, embora o roteiro se esforce para trazer tudo para o térreo. Susan Sarandon, por exemplo, faz a mãe do garoto, endividada por especular com imóveis.

De qualquer forma, passa batido esse pequeno drama maternal se comparado aos conflitos entre o herói do filme original, interpretado por Charlie Sheen (reaparece numa ótima e cínica ponta), e seu pai (Martin Sheen), um dos pontos mais fortes daquela obra. Vai-se também um certo clima de cinema americano ‘grand public’ que não se faz mais (o Wall Street original) com os ‘post its’ desse novo na idéia de família. Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme ou O Dinheiro Não Dorme Nunca termina sendo mesmo o retrato desse tempo agora.

Filme visto no Lumiere, Cannes, 14 de Maio 2010

3 comments:

Anonymous said...

Gosto muito do primeiro e também do tema.

Duas observações: torci o nariz quando vi Shia LaBeouf no cast e vc lembreou bem Kleber, aquele conflito entre sheen e o pai no primeiro filme é bem adulto e de grande relevância.

Alessandro

Marina said...
This comment has been removed by the author.
Marina R. said...

Kleber, eu não gostei! A melhor coisa do filme é a música de David Byrne e Brian Eno. Eu gosto do que Stone quer passar, gosto da cena com Charlie Sheen e gosto da frase "Gordon Gekko is back". Mas o filme parece vídeo educativo sobre a economia atual. Shia Lebouef com aquela história da filha de Gekko não...Josh Brolin quebrando o Goya não...e depois as reuniões com a pintura "Second Chance Nurse" de Richard Prince atrás...Naaaao! beijo, Marina