Friday, February 13, 2009

70mm Bigger Than Life





O Kino International é uma relíquia da extinta DDR. A arquitetura claramente dentro do que associamos a um design comunista está intacto, e o prédio foi tombado. Foi um dos dois cinemas sede da 70mm Retrospektive.

Sessão de Crepúsculo de uma Raça (Cheyenne Autumn), de John Ford.


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Com baixa substancial na temperatura em Berlim, num clima gelado de inverno e neve, o Festival se encaminha para a reta final com um nível geral apenas razoável na mostra competitiva. Para quem cobre, fica a certeza de que, para tentar novas descobertas nas mostras paralelas Panorama e Forum, escolhas precisam ser feitas com tanta coisa sendo projetada em horários que batem, o que significa sair das projeções principais. Fica o temor de que aquele filme que você não viu sagre-se o grande ganhador do Urso de Ouro.

A primeira atração divulgada pela organização para Berlim 2009 foi a Retrospectiva 70mm – Bigger Than Life, claramente o prazer mais luxuoso do festival. São 23 filmes, entre cópias de arquivo e restauradas, de clássicos do cinema dos anos 50, 60 e 70, filmados em negativo 65mm ou 70mm. Na verdade, um dos critérios norteadores da seleção é mostrar filmes rodados em negativo de câmera de grande formato, deixando de fora os ‘blow-ups’ de 35mm para 70mm que também contribuíram para a popularidade do sistema, que ganhava orgulhosas publicidades em jornais e revistas com a informação “em 70mm”, ou “in 70mm six track”.

O formato surgiu tecnicamente nos primórdios do cinema, mas só foi transformado em de fato um produto comercial nos anos 50, pós-Cinerama. O sistema revolucionário que surgiu em 1952 usava três câmeras e era projetado com três projetores, e o Cinerama tinha algo de mágico, mas repleto de custos e dificuldades técnicas.

Com a chegada do CinemaScope em 1953, tudo tornou-se mais fácil (uma lente extra e telas largas no lugar das antigas, com aspecto 1.37:1), e logo veio o desejo de melhorar ainda mais, com algo maior e melhor. Tudo isso veio do desejo de a indústria do cinema oferecer ao espectador uma experiência de imagem e som que só poderia ser desfrutada numa grande sala de cinema dotada de tela gigante, ataque direto ao avanço da televisão numa época que viu os filmes perderem o monopólio da imagem em movimento. Diretores tinham ao seu dispor uma definição de imagem espetacular, e capacidade sonora igualável ao melhor que a tecnologia digital atualmente disponível é capaz de oferecer. Ou seja, o impacto em décadas passadas era enorme.

No entanto, o aspecto mais fascinante do formato, especialmente dentro de uma perspectiva histórica, e dos costumes, supera questões técnicas. Naquela época, as grandes produções rodadas e apresentadas no formato eram os carros-chefe dos estúdios, décadas antes de filmes serem lançados simultaneamente em nove mil cinemas, como hoje.

Os filmes chegavam em levas, primeiro às grandes cidades e suas principais salas, num esquema que sugeria algo de teatral, algo como uma noite na ópera, as chamadas ‘road show presentations”, inclusive com programas distribuídos às platéias. Esse primeiro lançamento, apenas em 70mm, criava densidade nos cinemas, sempre lotados, e antecediam em um ou dois meses o lançamento geral, em 35mm, que oferecia a “versão normal” do filme, em som mono e salas e telas menores.

As apresentações em 70mm, oferecidas nos principais cinemas das grandes cidades do mundo (no Recife, o extinto Veneza projetou o formato, no Rio, o Metro Boa Vista, em São Paulo, o Comodoro, para citar alguns) não eram apenas o filme, mas um ritual. As versões 70mm vinham com música de entrada, e durante cinco minutos as cortinas permaneciam fechadas, à meia-luz, criando um clima que só pode ser descrito como uma tentativa de hipnose (bem sucedidas, normalmente) só abrindo no início do filme em si, projetados com imagem de clareza impressionante e seis canais de som magnético.

Normalmente longos, os filmes tinham um intervalo (intermission) que acontece no meio da projeção, perfeitamente previsto pelos realizadores num ponto dramático importante do filme, quando as cortinas fecham mais uma vez. Versões recentes em DVD desses clássicos trazem esse ritual nas cópias restauradas, e dão alguma idéia de como funcionava nos cinemas.

Em Berlim, são 26 filmes, apresentados precisamente como os mesmos foram mostrados nas suas épocas. As duas salas escolhidas pelo festival para passar a mostra são o Kino International, inaugurado em 1963 na Karl Marx Ale, em Berlim Oriental, a principal sala da Alemanha comunista, e onde os clássicos soviéticos da época foram lançados em 70mm, nos processos Sovscope ou Kino Panorama, concorrentes (como tudo nos tempos da Guerra Fria) dos sistemas americanos Super Panavision 70 ou Super Technirama 70. A outra sala é um cinema grande de multiplex na Potsdamer Platz, o Cine Star 8, especialmente equipado para a mostra.

O curador da retrospectiva, Dr. Rainer Rother (presente em todas as sessões, imagina-se por puro deleite de ver os filmes com platéias que têm lotado todos os horários), contou com o apoio dos estúdios 20th Century Fox e Columbia Pictures, em Los Angeles, que forneceram cópias restauradas recentemente de Patton (1970), de Franklin J. Schaffner, A Noviça Rebelde (1965), de Robert Wise, e Cleópatra (1963), de Joseph L. Mankiewicz, ou ainda Lawrence da Arábia (1962), de David Lean, exibidos em cópias cristalinas com uma imagem que chega a ser desconcertante.

Algumas outras cópias vieram do que Rother chama de “arquivos amigos espalhados pelo mundo”, como cinematecas na Suécia, Noruega e Austrália, onde foi localizada uma cópia de Ben Hur (1959), de William Wyler, que passou sábado à noite numa sessão memorável apresentada por Catherine Wyler, filha do diretor, já falecido.

2001 – Uma Oidsséia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, experiência de cinefilia radical (especialmente em 70mm) é uma das sessões mais esperadas, neste sábado. Também foram programados clássicos soviéticos como a bem sucedida adaptação para Guerra e Paz, de Leon Tolstoy, dirigido por Sergej Bondartschuk, tentativa bem sucedida dos russos em fazer o épico histórico (e nacionalista) mais espetacular de todo o cinema.

A Retrospectiva tem atraído fãs do formato de todo o mundo, como Daneil Kasman, crítico do site The Auteurs, de Nova York, presente na sessão de Crepúsculo de Uma Raça (Cheyenne Dawn, 1964), de John Ford, segunda à noite. “É uma chance tão rara, mesmo em Nova York esses filmes não passam mais, e as grandes salas, como em todo o mundo, fecharam. Poder ver um Ford em 70mm, e aqui no Kino International, é meio que uma experiência religiosa”.

Sentado e se sentindo pequeno diante da tela gigante, o som de uma música nostálgica em seis canais e imagens clássicas pode levar o espectador a pensar sobre como a percepção do cinema está tão atrelada à maneira que vemos os filmes.É indescritível a reação da platéia (reação, aliás, natural e orgânica) quando a tela abre depois da já citada preparação à meia-luz sob fortes camadas de musica, e lá está o Leão da Metro, ou os holofotes da 20th Century Fox. Você não sabe se afunda na cadeira, ouse se tenta escanear a tela grande da direita à esquerda, ou de cima para baixo.

É verdadeiramente lindo, mesmo numa época onde a idéia de cinema está tão espalhada não só em salas de projeção, mas também em ‘devices’, da tela do laptop ao iPod, aspectos que, talvez, não sei, deixem o cinema menor do que a vida.

2 comments:

João Solimeo said...

Como comentei no fórum do orkut, esta retrospectiva é para deixar qualquer cinéfilo salivando. Estes filmes são da época sim em que "cinema" não era apenas o filme apresentado em si, mas todo o ritual quase (ou totalmente) religioso que o cercava. Eu me lembro da piada que o Jon Stewart fez em uma apresentação do Oscar, em que ele estava assistindo "Lawrence da Arábia" na tela de um iPod, na vertical. Ai ele disse "ah, vamos ver em widescreen"...e virou a telinha de poucas polegadas na horizontal. Smaller than life, sem dúvida...

ps: "Vertigo" ficou de fora da retrospectiva? Não me lembro se foi rodado em 70mm ou não, mas creio que sim.

CinemaScópio said...

não, foi rodado em Vista Vision 35mm!
abs João.