Sunday, May 24, 2009

Eduardo Valente

Valente cineasta.
Valente crítico.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O crítico e cineasta carioca Eduardo Valente, 33 anos, está em Cannes numa dupla jornada. Como crítico credenciado pela www.revistacinetica.com.br - ele vê uma média de quatro filmes por dia, às vezes seis, às vezes só três, dependendo da programação e do quanto tem que escrever. E está também no festival como cineasta, uma vez que seu primeiro longa metragem, No Meu Lugar, integra a seleção oficial, onde teve duas sessões esta semana, na segunda-feira (para a crítica) e outra na quarta-feira (a oficial).

Valente passa pela estranha situação de ver Cannes, esse ano, por dois lados. Tentar respeitar os protocolos rígidos impostos pelo maior festival de cinema do mundo aos realizadores ali prestigiados e, ao mesmo tempo, tenta ver os filmes da competição, da mostra Un Certain Regard e da Quinzena dos Realizadores. Viu-se na ainda mais estranha situação de ir, com sua credencial de crítico, à sessão do seu próprio filme, e, dois dias depois, à projeção do seu filme com um segundo crachá, o de realizador, vestido de terno e gravata para satisfazer o protocolo.

Um dos compromissos, na terça-feira, envolveu colocar a roupa formal para, junto com todos os cineastas que, como ele, concorrem ao prêmio Camera D’Or (dado a primeiros filmes), ir à sessão de gala de Los Abrazos Rotos, de Pedro Almodóvar, com a presença do espanhol, sessão seguida de um jantar.

“Sabe que quando saímos do filme do Almodóvar, dei de frente com a fila para a primeira sessão do filme novo do Alain Resnais, Les Herbes Folles? Vendo aquelas pessoas ali, tirei a gravata e queimei o jantar. Melhor ir ver um filme (e do Resnais!) do que enfrentar um jantar formal”, nos falou.

Curiosamente, Valente veio a Cannes pela primeira vez em 2002 com seu curta-metragem Um Sol Alaranjado, também a primeira vez que escreveu críticas sobre os filmes em Cannes, na época para a Contracampo, que também ajudou a fundar. Desde então, não perdeu nenhuma edição do festival.

Um Sol Alaranjado ganhou o primeiro prêmio da mostra de filmes de escola, Cinefondation, que naquele ano teve como presidente do júri o cineasta Martin Scorsese. Seu filme foi o projeto final no curso de cinema da Universidade Federal Fluminense.

Mais dois curtas de Valente também foram selecionados para Cannes. Castanho, em 2004, para a Quinzena dos Realizadores, e O Monstro (2006), na competição oficial de curtas. Seus quatro filmes, portanto, passaram por Cannes em diferentes seções do festival, e a presença do seu primeiro longa esse ano é fruto do prêmio de 2002 para Um Sol Alaranjado.

Dentro de uma filosofia de mapear cineastas, Cannes estimula que o primeiro longa metragem de um cineasta premiado no Cinefondation seja exibido em alguma das mostras da seleção oficial, compromisso que o festival mantém.

No Meu Lugar, cuja primeira exibição ocorreu em janeiro, no Festival de Tiradentes, é uma crônica delicada sobre três grupos de personagens que, de uma certa forma, dividem o mesmo espaço de uma casa de classe média alta, no Rio. Como peças avulsas do filme, eles nos são apresentados em tempos diferentes que representam o antes, o durante e o depois de um incidente violento que ilustra de maneira incomum na cinematografia brasileira o tema nacional das cidades divididas. Divididas por pessoas que se cruzam, mas que não se misturam, e que às vezes se batem através do nosso tenso sistema de castas.

Entre uma sessão e outra, essa semana, conversamos com Valente sobre seu filme, e sobre Cannes e o cinema.

Cannes já te ajudou a passar a um estágio de entendimento do filme ou ainda é cedo?

Acho que ainda é cedo, no geral. Antes de Cannes, o filme passou uma vez só, em Tiradentes; é muito pouco para saber como realizador o que importa nesse momento, que é entender como as pessoas podem receber o filme. Não que isso mude o que a gente sente sobre ele, mas muda o que ele será, como ele vai dialogar com as pessoas. Vendo filmes de outros países apresentando uma visão de terceiro mundo, geralmente exibidos nesses festivais, tenho a impressão que meu filme é um pouco estranho ao mundo dos festivais internacionais de cinema, no sentido do que eles esperam de um filme brasileiro. Vendo os filmes filipinos por exemplo, Kinatay e Manila, tem ali uma expressão típica de um terceiro mundo do que festivais esperam ver de uma imagem de terceiro mundo, seja o filme bom ou ruim: a aspereza, a questão da realidade extrema, utilizando certas ferramentas como a câmera na mão, super demonstrada, relações de classes sociais... Embora meu filme tenha um personagem que mora na favela, embora tenha uma situação de violência no começo, o “démarche” do filme vai contra essas expectativas. Estou curioso para ver o quanto essa impressão vai se confirmar ou não, mas acho que é um filme que vai causar algumas dificuldades maiores fora do que no Brasil. Não acho que o filme vai ser um sucesso de público no Brasil, mas acho que vão entendê-lo de uma outra maneira e ver a forma que se relaciona com as imagens de violência que a gente produz e consome no Brasil. O público estrangeiro não está embebido numa linguagem local brasileira para perceber nuances e questões.

No Meu Lugar tem uma capa que parece se encaixar em algo que esperamos do cinema brasileiro, mas na verdade tudo isso é desconstruído.

O que vinha desde o inicio do projeto, era um desejo de olhar para a questão da violência urbana no sentido de que, pra mim, como carioca, é uma questão da qual eu não posso fugir no meu dia a dia e que ocupa a minha imaginação e me preocupa. Era um tema do qual não podia fugir num primeiro filme que é essencialmente carioca. Os meus curtas têm características de um olhar carioca mas não são filmes onde o Rio de Janeiro é uma questão. Mas eu sabia que queria falar disso por outros motivos que os dos discursos que eu vinha vendo até então, sejam sociológicos, cinematográficos ou televisivos. Basicamente, eu queria falar de pessoas envolvidas numa situação de violência, mas considerando o que delas existe para além do simples fato, que geralmente atrai a atenção. O único grande pressuposto estético e formal nosso, era que era um filme sobre pessoas. A câmera e o som estão a serviço daquelas personagens. Uma câmera na mão correndo na favela iria em contra disso. Nesse filme, a câmera em si não pode se tornar uma questão, ela tem que ajudar a contar uma historia.

Como viu a recepção da crítica, especialmente das revistas de mercado Variety e Hollywood Repórter se debruçando sobre um filme brasileiro intimista?

São ferramentas de mercado, com visão americana e que conheço muito bem. Por um lado confirmou, no caso da Hollywood Reporter, uma dificuldade de perceber o filme pelo que ele é, um discurso que já vem de certa forma pronto e que é aplicado ao filme em si. Percebe-se também uma cobrança do modelo narrativo americano sobre “concluir”, “narrar”. Mas o que me interessa sempre é o quanto a crítica, independente do meio, da revista, da linha de pensamento, é ver que uma crítica na verdade é tão boa quanto o crítico. Há o que apenas cumpre o papel e o outro que quer encontrar o filme, no caso da crítica publicada na Variety. Fico curioso para ver mais, pois essas duas foram as que eu vi, de ver o que um francês diria, que já viria com uma outra leitura, de uma outra cultura. Nesse corre-corre aqui, não sei se realmente saiu mais coisa. Dito isso, gostei muito do texto na Variety que, mesmo com muitas ressalvas, senti que o cara viu o filme de fato e conseguiu estabelecer uma relação com o filme. Isso é muito importante.

Cada vez mais você está colocando em prática o fazer cinema em vários sentidos: fazer filmes, escrever para a Cinética, dar aulas.

Há sete anos, quando vim para Cannes com o Sol Alaranjado, eu tinha um discurso que propunha um futuro. Hoje posso olhar pro presente com um pouco mais de distanciamento. Tenho uma certeza: a minha ocupação diária e o que me interessa fazer todo dia é a crítica: escrever, estar numa sala de cinema, assistindo filmes em casa... é o meu jeito principal de fazer cinema. As outras coisas vêm em paralelo. Trabalho em produção de mostras, faço curadoria, dou aula... Tenho gostado muito de dar oficinas de roteiro em lugares do país onde essas aulas não estão geralmente disponíveis. Fazer filmes entra como uma atividade a mais. Fazer esse filme fecha um ciclo: fazer o primeiro longa era algo que me propus a partir do prêmio que ganhei em Cannes. Não tenho projeto para fazer um próximo filme, não é uma questão pra mim nesse momento. Quero continuar com a Cinética e fazer um doutorado em cinema. No fundo continuo com a mesma visão de sete anos atrás, só que um pouco mais certo de prioridades. A crítica é algo que com certeza não passará.

Outra postagem do vídeo sobre Valente que fizemos em Cannes.

4 comments:

Vinícius Reis said...

Esse é o cara!

pocket novel said...

Demais Kleber :)

Tão bom ver pessoas como Duda fiel aos seus interesses, instintos, superior a enxurrada, ciente do que propõem, uno consigo mesmo...

amei!

me manda o vídeo? ;)
beijos, Carla.

CinemaScópio said...

ae Carla, mando, mas, em DVD?

Samuel Marotta said...

O discurso modou um pouco, mas os óculos...