Saturday, May 22, 2010

Fair Game (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A única presença americana esse ano na competição passou ontem e se chama Fair Game, do cineasta Doug Liman. Ele fez um filme bom que deverá ser pouco popular nos EUA. Faz uma lavagem realista de roupa suja sobre as verdades por trás do ímpeto de Bush em derrubar Saddam Hussein, fabricando mentiras sobre as tais armas de destruição em massa. Deverá ser o companheiro de prateleira do recente Zona Verde, de Paul Greengrass, embora o filme de Liman invista na força de personagens, aqui defendidos por Sean Penn e Naomi Watts.

Só nesse primeiro semestre, são três filmes de destaque que usam o termo "zona verde" (a área considerada segura pelas forças que ocupam o Iraque). Além do filme de Greengrass, Fair Game e o último de Ken Loach, Route Irish, também em competição em Cannes, lidam com aspectos periféricos importantes da Guerra. E há ainda um quarto, Armadillo, relato muito interessante sobre a guerra na geografia do Afeganistão.

Watts interpreta Valerie Plane, uma mãe de dois filhos, casada com um diplomata escanteado (Penn), e moram em Washington. Seus amigos e vizinhos não sabem que essa mulher, que todos acreditam ser uma empresaria é, na verdade, agente da CIA.

O filme abre em outubro de 2001, um mês depois dos ataques aos EUA, e o serviço de inteligência americano está fervilhando. O principal projeto deles é levantar provas para que uma ação militar contra Hussein faça sentido.

O filme, claramente de esquerda, gerou comentários amargos de dois colegas americanos, saindo da sessão: “o único americano em Cannes e é anti-americano!” É curiosa a reação.
Liman mantém os conflitos bem próximos da realidade, que talvez tenha sido o toque decisivo dado por esse diretor (Swingers, Vamos Nessa) no primeiro filme que dirigiu da série Identidade Bourne, onde o gênero ‘espião’ ganhou levada mais realista.

Há um tom semelhante ao de filmes clássicos americanos do passado, e o espectador não tem tempo para piscar os olhos acompanhando o jogo de poder. Num momento muito curioso, a guerra é declarada em rede nacional de TV, e vemos o personagem de Sean Penn num saguão de aeroporto, todos ao seu redor dormindo.

Por ser verdadeira, a história soa ainda mais enervante. Plane foi exposta (identidade revelada para alguém que era agente da CIA) num artigo enfurecido da vice-presidência americana, publicado no Washington Post, tiro no pé do próprio governo.

O motivo da raiva foi um outro artigo do marido de Plane (Penn) que questionava as ações da Casa Branca, que já fabricava razões para começar a Guerra do Iraque, frustrado com as informações bem pesquisadas da CIA de que Saddam não tinha as tais armas de destruição, e que nada levava a crer que eles teriam acesso a essas armas.

Fica a desconfiança de que Fair Game (Jogo Justo) venha aumentar a lista de filmes questionadores sobre o atual conflito dos EUA no oriente médio, a exemplo de Redacted, de Brian de Palma, o oscarizado Guerra ao Terror (um fracasso comercial, de qualquer forma) e Zona Verde, filme de Paul Greengrass que não aconteceu.

Filme visto na Lumiere, Cannes, Maio 2010

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