Tuesday, May 18, 2010

I Wish I Knew (Un Certain Regard)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Me chama a atenção que ao ver um filme de Eduardo Coutinho, tem-se a sensação de estarmos diante de um documentarista. No cinema de Jia Zhang Ke, fica a impressão de que ele é um historiador. Seus últimos três, pelo menos, Useless (2007), 24 City (2008) e esse novo – I Wish I Knew - que passou em Cannes domingo (Un Certain Regard) - parecem ter a chave da história oral nas mãos, uma contrapartida de cabeças falantes equilibrada por uma construção de imagens sofisticadas de registro, ao que parece, feitas com uma preocupação não apenas de preencher a tela larga do cinema hoje, mas principalmente no futuro.

Sente-se uma certa transformação na obra de Jia Zhang Ke, se pegarmos seus filmes de dez anos atrás, mais claramente associados à idéia de ficção. Nessa trinca recente, ele assume o papel de principal cronista / testemunha ocular da China moderna, um feito e tanto num cinema chinês moderno que também parece preocupado em trazer para os filmes as mudanças que ocorrem na cultura, infra-estrutura e paisagem do grande país.

Sua preocupação com esse registro sugere um amor pessoal focado. I Wish I Knew não pareceu agradar tanto a platéia, uma informação sempre desimportante, mas talvez notável considerando que o realizador e sua atriz estavam presentes.

O filme constrói (em duas horas e 20 minutos) uma versão palpável de história através de relatos vividos verbalizados. A técnica de história oral sempre me atraiu muito nos estudos de história.

Sua fragilidade é exatamente sua maior força, ouvir o relato em primeira pessoa que traz experiência de vida e verdade, ao mesmo tempo em que a memória pode ser falha, introduzindo o erro e o julgamento errado de um determinado fato. Datas podem ser equivocadas, mas nada supera essa experiência narrada, ou a imagem de um rosto que lembra, ou que faz esforço para lembrar.

Zhang Ke usa uma galeria de personagens maduros, alguns idosos, para filmar a China, as mudanças de costume, a violência dos conflitos internos, da Guerra, do partido, dos lugares abandonados, ou demolidos.

Num momento, ele nos mostra uma entrevista interrompida bruscamente pela sua personagem, que ordena “pare de gravar”, seguido de um corte sumário. A cena semelhante de Um Lugar ao Sol, doc de Gabriel Mascaro, me veio à mente, sem jogar aí qualquer julgamento sobre aquele outro procedimento.

I Wish I Knew tem alguns procedimentos que o levam a um outro estágio do documentário. As imagens largas em scope sugerem que não há outra forma de filmar a China, e as composições são fortes, enamoradas tanto pela beleza como a feiúra da arquitetura e da destruição.

Filme visto na Debussy, Cannes, 16 Maio 2010

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