Saturday, May 2, 2009

Costa Gavras



Costa Gavras socializa com fã na praia de Boa Viagem, Recife (foto KMF)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Aos 76 anos, Costa Gavras tem uma Palma de Ouro em Cannes por Desaparecido – Um Grande Mistério (Missing, 1982), sua primeira experiência com dinheiro de Hollywood, além de ter recebido o Urso de Ouro no Festival de Berlim com outra experiência nos EUA, o thriller Muito Mais Que um Crime (The Music Box, 1989). Seu filme síntese talvez seja Z (1969), que deu-lhe o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1970, obra que completa agora 40 anos e que terá uma sessão especial apresentada pelo próprio Gavras dentro da programação do Cine PE.

Sua trajetória parece dar-lhe amplas credenciais para estar à frente, atualmente, da Cinemateca Francesa, em Paris, uma das instituições mais respeitadas do mundo dentro do seu perfil. Inicialmente exilado na França nos anos 60, sua carreira foi iniciada na Grécia, naquela década, e é repleta de vitórias alcançadas com um cinema facilmente descrito como político, construído em cima de uma estética direta e voraz.

Na verdade, seus filmes tiveram uma grande relevância na época em que foram feitos, captando uma revolta contra um estado de coisas num período revolucionário em inúmeros aspectos, focando muitas vezes a repressão de regimes políticos contra o cidadão comum, que lutava sob a violência pelo direito de expressão e democracia.

Por ser tão atrelado a essa época, os principais filmes de Gavras, da sua fase 60/70, parecem ter assumido o valor de cartas históricas, atreladas ao momento por eles descritos. Tanto Z como Estado de Sítio (État de Siège, 1972) e Sessão Especial de Justiça (Section spéciale, 1975), foram queridinhos da censura no Brasil durante o período militar, todos cortados ou simplesmente proibidos para a exibição, aspecto, claro, que apenas aumentou a voltagem dos mesmos. Marcaram época em seus respectivos lançamentos tardios já na chamada abertura.

Uma cena de Desaparecido – Um Grande Mistério, lançado no Brasil pela Universal Pictures já dentro do período pré-democrático (1982), ilustra o toque Gavras. Ambientado no Chile, durante o golpe sangrento de Pinochet no governo de Salvador Allende, temos a história de um pai (Jack Lemmon), empresário americano de direita, que aos poucos acorda para Jesus no sentido de entender a participação do seu governo na política estrangeira. A cena em questão nos mostra centenas de homens reunidos e despidos nos túneis de um estádio de futebol. Um dos responsáveis engravatados à frente do esquema de tortura e morte fala com sotaque brasileiro, sutil colocação de como regimes fortes compartilhavam especialistas em repressão. Esse é o toque Costa Gavras.

Z será exibido esta semana dentro de uma curta série de quatro filmes pinçados da filmografia Gavras (são 17 longas ao todo), e que incluem seu mais recente Eden a L’Ouest, estréia recente nos cinemas franceses.

Os outros dois filmes programados esta semana são Amém (2002), sobre o oficial nazista Kurt Gerstein, engenheiro químico por trás do gás Zyklon-B, usado nas câmaras de extermínio dos campos de concentração sem que ele soubesse, inicialmente. Por último, passa O Corte (Le Couperet, 2005), sátira social sobre um desempregado que, para vencer a concorrência, decide, literalmente, eliminá-la.

1969 - Z, que deu a Gavras o Oscar de Filme Estrangeiro em 1970, parecia traduzir com precisão o clima de questionamentos políticos daquele tempo, da mesma forma que A Batalha de Argel (La Battaglia di Algeri, 1966), de Gillo Pontecorvo, o fizera três anos antes, ou Medium Cool, de Haskell Wexler, fez também em 69, nos EUA.

O filme de Gavras investiga desdobramentos que afetaram o cenário político na Grécia em 1963, quando o líder da oposição - Gregorios Lambrakis – foi morto num acidente de automóvel. A investigação desse acidente nos leva à revelação de um assassinato político e aos dilemas entre justiça e poder. A imagem final de uma Irene Papas reagindo a um desfecho que, num filme americano seria triunfal, talvez ajude a entender a ressonância do filme até hoje

O efeito moral e político de Z gerou discussões inflamadas não apenas sobre o poder que o cinema pode ter ao questionar um estado de coisas, mas também na forma como o filme foi capaz de servir de reflexo para os problemas políticos de cada sociedade, num mesmo tempo. Na Grécia, Papas e o próprio Gavras foram banidos do país, junto com o filme. Nos EUA, Z foi tido como anti-americano e, no Brasil, censurado.

Não deixa de ser curioso que, com a chegada dos anos 80, os filmes de Gavras tenham se voltado para dramas internos e individuais em personagens que entram em choque com erros do passado e, mais recentemente, com a sociedade aberta como um todo. Foi também nessa época que passou a firmar parcerias com Hollywood, selando as observações de detratores de que seu cinema sempre foi hollywoodiano, provável preconceito com um autor europeu que preza a montagem rápida, a câmera móvel e, ao seu modo, e sob a sua ética, personagens que poderiam ser descritos como heróis.

ÉDEM - No último Festival de Berlim, onde Gavras apresentou Eden a L’Ouest, ele conversou comigo sobre o filme, cronometrado como uma fábula veloz sobre a Europa hoje. Um interessante subtexto do filme é a forma como o personagem principal, Elias, vê-se explorado sexualmente por homens e mulheres.

Gavras comentou: “O imigrante ilegal é extremamente frágil, na França são cerca de 350 mil trabalhadores ilegais, para você ter uma idéia. Com o temor constante de ser deportado para uma realidade que ele ou ela não deseja mais, há uma facilidade de se sujeitar a tudo. Isso está no filme em momentos que exploram precisamente essas situações relacionadas ao sexo, como o homem do resort que o apalpa, ou a mulher alemã que o utiliza sexualmente. São idéias muito específicas escritas por mim e pelo co-roteirista Jean-Claude Grumberg em cenas que teriam como eixo questões que nos afligem como seres humanos.”

Sobre a idéia de manter a nacionalidade do personagem desconhecida, Gavras comenta, “me parece correta da seguinte forma: ao atrelar um fundo político e social a Elias, identificando a sua origem, você automaticamente traz o peso histórico, o drama dessa sua pátria mãe. Eu não queria isso, pois Elias deveria ser visto pelo que ele é, um homem, e não pela sua origem”.

A primeira parte do filme, toda ambientada num clube fechado, sugere uma versão artificial da própria Europa e, em alguns momentos, o espectador talvez acredite que Elias está preso lá.

“É verdade que existia essa idéia de ‘dublar’ uma idéia sonhada de Europa, do ocidente, através do clube fechado durante todo o filme. De qualquer forma, evoluímos no sentido de deixar o resort depois da primeira parte e levar Elias na sua viagem até Paris. A idéia foi abandonada porque, de qualquer forma, esse é um paraíso falso até mesmo para os europeus, pois no resort é possível passar alguns dias, ou uma semana, e onde tudo é caríssimo. É um lugar falso, mesmo se queiramos vê-lo como uma representação da Europa, que é um espaço real.”

Sobre o aspecto passivo do personagem central, Gavras o descreve como uma versão do Cândido, de Voltaire, “um pouco como uma criança que descobre tudo, e é através dessas descobertas que eu mostro as contradições de nossa sociedade”.

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