Saturday, May 2, 2009

Eiffel (curta)





por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Para alguns, as duas torres residenciais gêmeas com dezenas de andares, construídas no Cais de Santa Rita e na frente do bairro de São José, são duas verrugas desproporcionais no seio da cidade. Para outros, os dois prédios são mais uma prova de progresso, sinalizando um Recife que cresce para cima, na vertical e de cima para baixo. Vendo o curta-metragem Eiffel, do jornalista e crítico de cinema pernambucano Luiz Joaquim, é fácil identificar que seu ponto de vista reside nos que integram o primeiro grupo. O filme passa hoje à noite na programação do Cine PE, na sessão dedicada aos curtas digitais.

O filme surgiu para Luiz Joaquim de uma vontade de se expressar sobre o Recife. “A idéia veio ano passado, quando revia Os Incompreendidos” (Les 400 Coups), o primeiro filme do cineasta francês François Truffaut, feito em 1959. Na abertura do filme, a câmera percorre Paris com o ponto de vista de alguém que sempre observa ao longe a Torre Eiffel.

“Me peguei deliciado com as imagens de abertura do filme de Truffaut, uma dedicatória de amor a Paris. Pensei que no Recife não poderia fazer algo assim, em torno de um único monumento, para homenageá-la, exceto por uma construção que emprestava uma imagem oposta do orgulho que tenho pela minha cidade, um monumento polêmico, mas gerador de uma polêmica velada, que pouco se discute nas mídias tradicionais locais”, disse à reportagem do JC, semana passada.

Admirador do cinema de Truffaut, Joaquim acredita que criando um vínculo entre a Torre Eiffel de Os Incompreendidos e as duas torres recifenses do seu próprio filme, ele apostaria numa simetria entre beleza e feiúra, “uma crônica audiovisual que, se fosse exibida em algum lugar, poderia chamar a atenção para isso que me incomoda como cidadão. Quando olho para aquilo, me vem sempre a idéia de que moro numa província. E me deparar com isso todo dia é ruim. Creio que esse filme não é apenas contra uma opção tomada por uma construtora, mas sobre uma combinação de fatores que permitiram que que algo do tipo pudesse acontecer”.

Sobre sua primeira realização cinematográfica, Luiz Joaquim, que é crítico de cinema da Folha de Pernambuco, diz que é um jornalista, “habituado a fazer tudo sozinho, e vi uma tranquilidade na realização e montagem, por isso segui em frente. Mas vejo que, na verdade, a simplicidade da realização e edição não diminui em nada o trabalho”. Eiffel foi produzido pela Símio Filmes com montagem do cineasta Daniel Bandeira (Amigos de Risco).

Essa sessão no Cine PE poderá ser importante no sentido de oferecer um raro retrato crítico do Recife hoje, como espaço urbano, diante de uma platéia de duas mil pessoas ou mais que poderá se ver na tela através de imagens cuidadosamente escolhidas da própria cidade.

Eiffel integra o que já se configura uma onda notável de filmes pernambucanos que questionam diretamente o traçado urbano de cidades brasileiras, e que tem no Recife um dos exemplos mais notáveis pela completa falta de planejamento e critério quando o tema é o espaço urbano. Menino Aranha (exibido ontem), de Mariana Lacerda, sobre a arquitetura do medo através da altura como dispositivo de segurança também está na seleção 2009 do Cine PE, e ainda veremos em breve o longa metragem inédito Um Lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, também sobre um conceito social de construção, arquitetura e engenharia.

1 comment:

Marco Antonio said...

Sou arquiteto, professor de Arquitetura da UFPB. Junto-me ao diretor do filme Eiffel no protesto contra as torres da MouraDubeuax no Porto do Recife.
Esse tipo de planejamento urbano imagina que pode revitalizar uma área com a introdução de habitação desta forma. É impossível para essa classe empresarial entender que habitação pode ser planejada nas várias edificações existentes no bairro. A paisagem foi - me perdoem - estuprada e deveria servir de péssimo exemplo de como se deve revitalizar uma área histórica.
Se o desejo é edificar prédios deste porte que se dirijam para áreas não consolidadas, áreas com potencial construtivo capaz de absorver os arranha-céus. estou cansado deste argumento de que construção em altura é sinônimo de desenvolvimento. Por favor vão estudar!