Saturday, May 2, 2009

Eu Te Amo, Cara



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Parece existir um nicho de mercado formidável que toma como alvo os bilhões de homens emocionalmente imaturos que, mesmo na casa dos 30, tentam lidar com a vida adulta. Parte dessa imaturidade pode, inclusive, estar relacionada à natureza da chamada preferência sexual. Exemplos recentes são os muito engraçados (e grotescamente conservadores) O Virgem de 40 Anos e Superbad, da escola Judd Apatow. Essa leva ganha mais um expoente em Eu Te Amo, Cara (I Love You, Man, EUA, 2009), filme estranhamente gay-masculino de John Hamburg.

O homem em questão é Peter (Paul Rudd, ator simpático dos filmes de Apatow, aqui finalmente como principal), que acaba de pedir sua namorada Zooey (Rashida Jones) em casamento. Promete-lhe o tipo de garantias futuras de estabilidade financeira que envolvem negócios imobiliários. Eu tenho certeza que a piada não foi planejada pelos roteiristas (filmes são produzidos com grande antecedência), mas o efeito junto à crise que ataca a economia dos EUA é engraçado, vide Sim Senhor, com Carrey.

O filme pinta Zooey como uma barbie, rodeada de amigas barbies que só falam em casar ou em casamento, ou nas seguranças garantidas pela instituição do casamento. É uma imagem deprimente das mulheres, e a desculpa é o foco ser, de fato, o elemento masculino. Uma interpretação possível é a de que o olhar gay masculino do filme começa a mostrar suas unhas afiadas no todo.

Peter descobre que não tem um amigo sequer que possa chamar para ser seu padrinho. Olha em volta e passa a entender que todo homem tem amigos, e as imagens de grupos e grupos de machos às gargalhadas nas ruas e carros podem ser realmente assustadoras e muito engraçadas, especialmente por obedecer a cartilha de linguagem básica onde alguém passa a olhar em volta para entender o que se passa, em planos e contraplanos. Acho que a última vez que vi isso com tanta sem vergonhice foi em Procura-se Amy (Chasing Amy, 1997), de Kevin Smith, onde Ben Affleck finalmente entende (ao olhar para os lados, para frente e para trás) que está num bar lesbo.

Peter descobre que até seu pai tem dois grandes amigos, um deles o próprio filho caçula gay (Andy Samberg). Gay, portanto, seria uma das palavras chave do filme, que dá início a um inusitado jogo de sugestões homo para a busca de Peter por alguém que possa chamar de amigo, tema e tom abordados de manera bem diferente em Superbad.

Aqui, no entanto, a coisa fica ainda mais inusitada, uma vez que essa busca, claramente gay no tom, nunca realmente se concretiza, provável intenção de discutir um mundo de aparências cuidadosamente projetadas. Peter não parece de fato assumir a homossexualidade sugerida a cada nova cena, especialmente na sensação acumulada de que Zooey é uma chata e de que bem mais divertido é passar horas com homens.

Efetivamente, Peter passa suas horas com Sydney (Jason Segel), seu novo amigo, um investidor meninão, típico californiano gente boa, dono de uma casa cheia de brinquedos que sugerem ter ele estacionado na adolescência (vide O Virgem de 40 Anos). Não deve ser coincidência que Sydney seja um nome híbrido, usado em homens ou mulheres, embora Sydney, o personagem em si, mostre-se um heterossexual dos mais ativos.

Há um clima geral de disfarce nas claras intenções de Eu Te Amo, Cara que aumentam o interesse por esse objeto estranho na produção hollywoodiana. O filme não parece crer que seja possível para um homem achar companhias femininas interessantes o suficiente para viver tranqüilo sem a companhia prolongada, desejada e irritante de amigos macho. De fato, o efeito geral é o de um comentário sarcástico sobre o tipo de masculinidade que mal consegue esperar a hora de livrar-se da mulher para ir encher a cara com os amigos, falar bem de futebol e mal das mulheres, fenômeno estranhíssimo que a sociedade vê como prova de masculinidade.

Ao final, Eu Te Amo, Cara parece celebrar o casamento como selador das aparências mantidas (não percam o plano do segundo grande amigo do pai) num mundo que é, em grande parte, gay, gay, gay. Engraçada provocação.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, abril 2009

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