Saturday, May 2, 2009

Eden a L’Ouest (Cine PE)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


É inegável a sintonia de Eden a L’Ouest (ou O Édem no Oeste, França/Grécia, 2009), o mais novo filme de Costa Gavras, em relação a temas atuais que ganham os noticiários do mundo. O longa metragem abre, amanhã à noite, a edição 2009 do Cine PE – Festival do Audiovisual, com a presença do próprio Gavras. O filme fechou o último Festival Internacional de Berlim e terá sua primeira exibição no Brasil no Recife.

O tema de Eden a L’Ouest (O Edem é no Oeste) é o grande tema do cinema europeu já há alguns anos: o choque entre ricos e pobres, numa história narrada pela trajetória de um clandestino pobre na Europa rica.

Foi semana passada que as agências de notícias informaram que um navio turco, o Pinar, finalmente recebeu autorização do governo italiano para atracar depois que o barco salvou 140 migrantes ilegais africanos de duas embarcações clandestinas que estavam para afundar no Mediterrâneo. O Pinar passou quatro dias em águas internacionais esperando que a Itália e sua vizinha Malta, também da Comunidade Européia, resolvessem de quem seria a responsabilidade de aceitar os náufragos segundo as leis internacionais de busca e salvamento. A Itália terminou aceitando os migrantes.

O filme de Gavras começa exatamente num desses navios carregados de gente, onde Gavras, sem perder tempo e com a ligeireza que lhe é tão peculiar, estabelece uma das principais idéias do filme que é a perda da identidade, perda esta em nome da sobrevivência. Logo somos apresentados ao nosso personagem principal, Elias (o ator italiano Riccardo Scamarcio), um rapaz de origem não especificada (seria da Armênia?) que irá começar uma epopéia moderna pontuada por detalhes clássicos que não escondem a base como sendo a da viagem de Ulisses.

O mar é o Egeu e Elias vai parar no Édem, um resort grego com praias particulares (uma das grandes perversões do poder, privatizar um pedaço de mar) que bem poderia ser o cenário de todo o filme. Esta versão irônica da Europa vem completa com milionários russos (o temido novo poder da região), hóspedes à procura de prazeres sexuais, entretenimento programado e fartura de bebida e comida, elementos estrangeiros para um visitante clandestino que não fala nenhuma das línguas do continente.

E logo entendemos que Elias será uma bola de fliperama batendo e sendo rebatido, personagem passivo que apenas reage aos estímulos de terceiros. Creio que é fator inédito na obra de Costa Gavras, cineasta que sempre desenvolveu personagens ativos, caçadores da verdade e da mudança. Seu Elias é uma alma boa e pura que tem em Paris o destino final da sua viagem. Suas interações são sempre pacíficas e seu senso moral afiado.

Nos piores momentos do filme, lembrei do personagem de João Miguel, em Estômago, o ignorante gente fina que vence por ser um safo nato. Nos melhores, Gavras parece sair ganhando pela energia louca do filme, energia esta que parece mais física do que no campo das idéias.

Se Gavras sempre deixou sua marca através da agilidade das suas tramas (Z, aos 40 anos de idade, mantém firme um ritmo moderno), Eden a L’Ouest talvez esteja na pole position da velocidade narrativa. Piscou o olho, perdeu duas cenas importantes, e essa observação sobre ritmo (montagem, câmera) é válida para um realizador de 76 anos que, aliás, continua fascinado pela presença da mídia onipresente (equipes de TV nos mais estranhos lugares pontuam o filme), algo que já abordara numa das suas produções americanas, O Quarto Poder (Mad City, 1997).

PS: Misteriosamente (para mim), não entendo como Gavras escolheu acabar seu filme com plano tão feio e mal realizado.

Filme visto no Berlinale Palast, Berlim, abril 2009

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