Monday, May 17, 2010

You'll Meet a Tall Dark Stranger (hors concours)




por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Sobre Woody Allen, poucos autores dramatizam tão bem o ridículo necessário que é a comédia humana. A começar pelo título You’ll Meet a Tall Dark Stranger (Irás Conhecer um Moreno Alto), que leva a duas coisas. A promessa de romance para uma mulher, normalmente via cartomante, que tem no ideal latino uma noção de romance sensual. Ou, na versão de Woody Allen, o sujeito alto e moreno é a própria morte, semelhante à ironia de Clarice Lispector quando as cartas prometem à sua Macabéia “um alemão loiro”.

E Allen nos dá uma outra ciranda terrivelmente sarcástica de personagens que preferem depositar suas possibilidades de felicidade na ilusão. Uma esposa abandonada na terceira idade (Gemma Jones) passa a decidir sua vida via cartomante. Seu ex-marido (Anthony Hopkins) clareia os dentes, passa a fazer exercício e casa-se com uma jovem prostituta à procura do elixir da juventude. Um escritor fracassado (Josh Brolin) submete o manuscrito de um amigo morto, como se fosse dele. A mulher dele (Naomi Watts) acredita numa possibilidade de amor que talvez não seja real.

“Minha relação com a morte continua a mesma, sou totalmente contra”, afirmou Allen para uma onda estridente de gargalhadas no encontro com a imprensa, sábado. “Quero chegar aos 100 como Manoel de Oliveira chegou, e não com placas de alumínio espalhadas pelo corpo, me arrastando, ligado a aparelhos”.

Sobre o sarcasmo para com os que vivem de ilusões, disse “se eu conhecer um boboca numa festa que acredita em misticismos e cartomantes, é claro que eu vou rir da cara dele e achá-lo um boboca; mas sei que ele será bem mais feliz do que eu jamais serei. De qualquer forma, para mim, eles só fazem alimentar uma indústria de milhões de dólares”.

Brolin, que também está em Wall Street – Money Never Sleeps, de Oliver Stone, falou de Allen: “há um grande fator de sedução em Woody Allen, e esse fator vem da sua humildade. Eu fiz uma ponta em Melinda Melinda, anos antes, e ele me convidou para esse filme novo com um bilhete que dizia, “você talvez se lembre de mim de Melinda Melinda, eu era o diretor”.

A relação de Allen com os atores foi descrita por ele da seguinte forma: “tudo se resume a você saber contratar. Sabendo contratar os atores, você já tem tudo à mão e não precisa fazer mais nada, só calar a boca e pegar o cheque”.

Durante a projeção, You’ll Meet a Tall Dark Stranger passa como um filme meio-termo de Allen, pelo menos até o momento em que a imagem cinematográfica de uma janela, já no final, eleva o filme a algo realmente especial. Sem entrar em detalhes, mostra, num único plano, que a felicidade, assim como o próprio cinema, é apenas uma questão de ponto de vista. É bonito, e é amargo.

Filme visto na Lumiere, Cannes, 15 de Maio 2010

1 comment:

Rafael Sandim said...

Deve ser interessante, assim como 99% dos trabalhos de Allen.