Monday, May 17, 2010

Film Socialisme (Un Certain Regard)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Jean Luc Godard, muito aguardado, cancelou sua vinda a Cannes, onde faria concorrida coletiva de imprensa hoje. SO jornal Liberation publicou o que seria o conteúdo do bilhete manuscrito que enviou a Thierry Fremaux para dar suas satisfações:

"Depois de problemas de tipo grego, nao vou poder estar no festival. Com Cannes, vou até a morte, mas nao darei mais um passo que seja pra frente."

Seu filme, no entanto, passou, chama-se Film Socialisme (Un Certain Regard), prova de que quem já fez tanto pelo cinema, pode fazer mesmo qualquer coisa. O cancelamento de sua vinda ao festival parece casar perfeitamente com as palavras que fecham o filme: ‘No Comment’.

Os franceses têm uma expressão muito boa para mostrar ceticismo, espanto, descrença e alguma interjeição de absurdo: “n'importe quoi”. Film Socialisme foi o mais benvindo ‘n'importe quoi!’ de Cannes até agora, uma nova variação dos fluxos de idéias e pensamentos que observamos na obra recente de Godard, uma mutação da sua capacidade de expressar-se por imagens, já há 50 anos.

Chama a atenção que seja tão textualmente um livro ilustrado de poesias, falado em francês, russo, algumas frases em inglês. Nada em Film Socialisme parece pré-formatado, e isso nos remete a uma das frases de Godard incluídas no material de imprensa. “Mesmo com Final Cut (ed: programa de edição da Apple, usado até para editar os video-posts aqui do blog), o mais humilde ou mais arrogante dos montadores estará preso às convenções do passado e do futuro”.

Estamos num transatlântico, onde o filme bate bola formal com o outro ensaio que é o filme pernambucano Pacific, de Marcelo Pedroso, imagens de um deslocamento burguês filmadas com pequenas câmeras digitais.

A água do mar convida pensamentos, que são reprocessados nas legendas em inglês como obras à parte, redefinindo o papel da legenda e provavelmente irritando os que não ouvem o francês. A legenda deixa de ser um instrumento e vira obra, e eu adorei isso. Talvez adorasse da mesma forma se não entendesse francês. É como se as letras subtituladas finalmente ganhassem liberdade de ser outra coisa, não submissas à fala, mas paralelas ao filme.

Outra referencia é Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira, também num transatlântico que se desloca pelo tempo. Godard sobrepõe seus temas como irmãos antagonistas, em geral usando curtas frases: Palestina: acesso negado, pobre Europa, humilhada pela Liberdade, Hollywood Meca do Cinema, Tumulo do Profeta, o sol e a morte a gente não olha de frente (o que me leva ao filme do Iñarritu, visto momentos antes).

É um fluxo digital, uma corrente de idéias que no todo irá sempre levar alguns a perder a paciência, e outros a sentir um prazer sereno nessa massa caótica.

Num dos momentos do filme, a voz de Godard é ouvida: “CinemaScope”, e corrigida por uma criança, “Não, 16X9”. Talvez defina a relação absolutamente moderna desse chato fascinante, que aos 79 anos continua se revendo dentro da própria imagem, mudando com ela. Ou melhor, desejando que ela evolua.

Filme visto na Debussy, Cannes, 17 Maio 2010

7 comments:

Chico Lacerda said...

a descrição das legendas me lembrou o north on evers (james benning, 1991): fluxo contínuo de legendas manuscritas correndo da direita pra esquerda em paralelo a informações diversas no som e imagem. e escolher pra onde jogar a atenção e se desapegar do que está perdendo.

Chico Lacerda said...

*É* escolher

CinemaScópio said...

No Godard, as legendas são comuns visualmente. Mas não são.

João Solimeo said...

"...mas a Mônica queria ver um filme do Godard".

Godard virou "grife" de filme cabeça há muito tempo. Sei lá, na minha opinião cheia de preconceitos, não acho que ele tenha feito, nos últimos 20 anos, nada diferente que aqueles deslumbrados de faculdade de cinema, cheios de semiótica na cabeça, quando fazem o primeiro (geralmente único) curta.

Vinícius Reis said...

Rapaz, aguardo ansioso. Você tem notícia se alguém vai trazer o filme para o Brasil?
Abs.
Vinícius.

CinemaScópio said...

Imovision comprou, ao q tudo indica.

Vinícius Reis said...

Oba!