Sunday, February 1, 2009

Caos Calmo



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

22/12/2008

Interessante escolha para uma programação de natal no Cine Rosa e Silva com o filme italiano Caos Calmo (2008). De certa maneira, muitos de nós chegam ao final do ano sob o peso de um dezembro caótico de fechamentos de processos pessoais e profissionais e uma correria de compras refrigeradas que, ironicamente, querem apontar para um final de ano marcado pela paz, harmonia e tranqüilidade. O filme de Antontello Grimaldi estreou no último Festival de Berlim e foi um sucesso comercial nos cinemas italianos, adaptado de um best-seller nacional escrito por Sandro Veronesi.

O personagem principal chama-se Pietro Paladini (Nanni Moretti), é ele quem passa pelo momento titular. Acaba de perder a esposa jovem e tem uma filha pequena. Por algum motivo, nem ele nem a filha reagem emocionalmente dentro dos padrões conhecidos. Ele desenvolve instinto de super-proteção com a filha mantendo sempre uma expressão serena de perplexidade e pânico controlado. A menina não parece entender que a mãe não estará mais do seu lado, e se entende, parece tentar não lidar com isso.

O eixo dramático do filme, e aspecto memorável do mesmo, é uma praça bucólica. Ao levar a filha na escola pela primeira vez depois da grande perda pessoal, Pietro promete à filha insegura e debilitada que ficará ali o dia todo, esperando ela sair. O que seria o ato de um dia, logo se transforma em vários dias, e em algumas semanas, com Pietro sentado nos bancos da praça enquanto a filha fica na escola. É um feito e tanto já que Pietro é um grande executivo de um enorme conglomerado da comunicação.

Sua estadia na praça, ou sua greve de responsabilidades perante dores da alma, resulta numa série de interações com os que freqüentam o lugar normalmente, de mulheres lindas e simpáticas que passam andando, uma relação terna com um garoto e as visitas preocupadas do irmão de Pietro (Alessandro Gassman, filho de Vitório). Seu chefe estrangeiro, ninguém menos do que Roman Polanski, também o visita ali, reforçando o clima geral de paz na terra aos homens de boa vontade.

Bem menos pegajoso do que algumas cenas nos levam a achar que o filme poderia ser, Caos Calmo resulta numa experiência curiosa não só como produto, mas como parte da trajetória de Nanni Moretti. Esse autor italiano dono de um cinema em Roma, primo de segundo grau de questões humanas e estéticas de um Woody Allen, normalmente dirige seus filmes pequenos, um deles, O Quarto do Filho (Palma de Ouro em Cannes) com questões semelhantes às propostas em Caos Calmo.

Nesse aqui, ele atua e é co-roteirista, sua presença sempre interessante, tolerante, e é impossível não citar um momento inesperado de Caos Calmo que é ver Moretti numa cena de sexo especialmente descabelada. Um detalhe ruidoso como esse é exatamente o que diferencia o cinema mundial da escrita hollywoodiana, onde personagens benignos são desprovidos de sexualidade para confirmar ideais puritanos que regem a indústria. Nesse caso, apenas aumenta a sensação de estarmos diante de cenas honestas da vida humana, e isso nunca é ruim, especialmente nessa época de natal.

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