Sunday, February 1, 2009

Queime Depois de Ler



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Relatos dos que já tinham visto Queime Depois de Ler (Burn After Reading, EUA, 2008) apontavam para uma comédia hilariante dos Irmãos Coen, cineastas da independência comprovada no fazer cinema e que chegaram esse ano ao Oscar (com Onde os Fracos Não Têm Vez) nos termos deles, e não nos da indústria. Veteranos de um lote notável de filmes incomuns com raros sucessos comerciais e nenhum blockbuster, os Coen são admirados por muitos pelo estilo constante e peculiar senso de humor. Curiosamente, esse novo filme nos pareceu bem triste, crônica amarga sobre um grupo de pessoas perdidas e desesperadas.

O filme levanta questão curiosa para a cinefilia, ou o ato de ir ao cinema ver um filme. O que é engraçado? Os filmes de terror REC e Os Estranhos dão medo? Para uns, Queime Depois de Ler passa como engraçadíssimo, e REC e Os Estranhos como ridículos, que não assustam ninguém. Enfim, cada um com o seu cinema.

Nesse filme, feito com a carpintaria usual dos Coens (bem filmado, editado, sonorizado), astros como George Clooney e Brad Pitt engatam o formato palhaço, algo que talvez leve alguns a achar tudo muito engraçado. Eles são parte de uma engrenagem típica dos irmãos, que é filmar gente burra, que talvez seja o oposto geométrico deles mesmos. O próprio slogan do filme, "a inteligência é relativa", dá a deixa e logo o filme nos coloca dentro de um mundo institucionalizado da inteligência (a CIA, em Washington) e também, por outro lado, de pessoas comuns.

O mundo da capital federal (o mesmo ocorre em Brasília) ganha interessante contorno, um lugar onde todo mundo trabalha em algum gabinete ou ministério, cada trabalho mais desestimulante do que o outro, a hierarquia dos que estão lá em cima e dos que estão por baixo, e a atmosfera de mistério e investigação sobra para dois funcionários de uma academia de ginástica, Chad (Pitt) e Linda (Francês McDormand). Chad bebe Gatorade e está sempre se balançando com um iPod, homem de limitado vocabulário que as legendas não conseguem expressar. Linda quer fazer quatro intervenções cirúrgicas para turbinar o seu corpo, certa de que, alterada, irá encontrar um homem.

O filme, na verdade, começa com a demissão de um funcionário responsável pela pasta política das Balcãs, na CIA, Osbourne Cox (John Malkovich), que repassa a sua desgraça profissional para a esposa (Tilda Swinton, redefinindo o termo "mulher fria") como tendo "pedido demissão". Ele parte para escrever uma autobiografia bombástica, cujos manuscritos vão parar no chão da academia, e que Chad e Linda interpretam como segredos de estado que devem valer algum dinheiro.

O filme segue a mesma arquitetura de pensamento de um dos melhores filmes dos Coens (e espetacularmente engraçado), O Grande Lebowski (1998). O problema é que aquele filme tinha a lógica (muito bem fundamentada) da maconha, e os pensamentos e conclusões fraturadas faziam total sentido. Em Queime Depois de Ler, o espectador precisa ter a paciência de aceitar os desdobramentos como parte de como a vida transforma cada um numa pequena peça de um grande tabuleiro de poderes, medos e incertezas.

Uma rápida (e sangrenta) explosão de violência é o maior exemplo disso, o que talvez leve o filme a um caminho sinistro que, de engraçado, há muito pouco ou mesmo nada. Até os casos extra-conjugais do personagem de Clooney ganham um aspecto deprimente de rotina, mesma rotina que ele parece estar querendo fugir no casamento.

Curioso Queime Depois de Ler certamente é, os Coen seriam incapazes de fazer algo desinteressante, mas há algo na estranha mistura que deixa um gosto ruim na boca. Repetem o toque narrativo do filme anterior ao verbalizar conclusões que, em qualquer outro filme, seria filmada de maneira aplicada, embora o resultado seja, dias depois, mais próximo do 'esqueça depois de ver'.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Novembro 2008

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